sábado, 19 de novembro de 2011

SÓ ME SAEM “DUQUES”…


A publicação do relatório do grupo de trabalho sobre o serviço público de televisão, mais propriamente sobre o destino da RTP e a discussão que ele tem gerado na comunicação social é matéria relevante para o âmbito deste blogue. A relação público-privado atravessa claramente o tema e a questão do serviço público é matéria central do nosso estatuto editorial.
O relatório é francamente débil do ponto de vista do seu contributo para uma sólida e fundamentada discussão pública sobre o tema. A defesa pública do relatório por parte do seu coordenador (João Duque) tem representado um mau serviço à sua divulgação. A atribuição da coordenação deste trabalho a um economista com as características de João Duque só pode compreender-se por uma de duas razões, ambas malévolas:
  • Ou constitui a retribuição de todo um trabalho de intervenção na comunicação social que a referida personalidade assumiu como antecâmara da vitória eleitoral da presente maioria, o que representa uma fraca retribuição tão entusiástica e laudatória foi essa presença constante nos media, com ampla cobertura e receptividade dos mesmos;
  •  Ou se pretendeu controlar os resultados do exercício, atribuindo desde logo essa coordenação a quem tem veiculado uma concepção demasiado enviesada do que a intervenção pública pode representar nos dias de hoje.
.Mas o episódio é representativo de muita outra coisa com interesse para o nosso posicionamento.
Em primeiro lugar, ele evidencia bem a visão distorcida e a concepção estritamente instrumental que o poder político tem (à esquerda, à direita e ao centro) da função que deve caber aos “grupos de sábios”, “grupos de trabalho”, “trabalho técnico” ou qualquer outra versão para a invocação do conhecimento como elemento auxiliar do processo de tomada de decisão política. Regra geral essa mobilização é meramente instrumental, fica bem, é esporádica. Muito raras vezes o recurso ao conhecimento de quem sabe é utilizado para fundamentar uma boa discussão pública sobre o tema em causa, enriquecendo a opinião pública. O presente episódio é revelador. Existe um consenso generalizado de que a iniciativa estava morta à nascença, pois as grandes decisões já tinham sido tomadas e nem o curto prazo concedido para a produção de resultados é compreensível com essas decisões já tomadas.
Depois, o contributo para uma discussão serena do que o serviço público de rádio e televisão deve representar na sociedade portuguesa de hoje é nulo. Diga-se desde já que não sou um entusiasta defensor do papel da RTP e RDP. Ambas as programações jogam na aproximação ao ditame das audiências e tendem globalmente a confundir-se com a mediocridade cultural e de entretenimento do meio. A informação produzida por ambas as entidades está longe do que melhor se faz em algum do sector privado. Assim sendo, a defesa por si só de uma RTP e de RDP públicas corre o risco de se tornar apenas uma opção ideológica. Ora, em meu entender, a defesa de um serviço público contemporâneo de rádio e televisão não se confunde com a defesa desses canais, embora possa tirar partido da sua existência, desde que devidamente formatada.
Esperar-se-ia desta oportunidade e do grupo de trabalho (cuja composição deveria orientar-se para esse objectivo) um contributo sólido para um debate alargado, extensivo à Assembleia da República, sobre o âmbito e ambição de um serviço público de rádio e televisão. Será matéria sobre a qual haverá oportunidade neste espaço de debater. Mas questões como a defesa e promoção da língua portuguesa, a produção nacional de conteúdos culturais, uma informação contextualizada ao serviço de uma opinião pública mais forte, a compreensão do Portugal contemporâneo, a criação de mercados públicos para uma componente de áudio visual e multimédia com ligação às indústrias culturais e criativas deveriam ter expressão representativa num debate desse tipo. Só depois de estabilizada a dimensão do serviço público caberia discutir em que medida a existência de canais públicos serve a sua consolidação.
O que sai do relatório é uma amálgama de decisões, recomendações e concessões aos interesses privados em jogo. Não é por acaso que elementos do grupo de trabalho se têm multiplicado em artigos e esclarecimentos complementares. A ilustração mais explícita da confusão em que o grupo de trabalho se envolveu é a da manutenção de um canal público mas sem informação. Uma trabalhada só compreensível dada a ausência de reflexão sobre o âmbito e ambição do serviço público. E destes “Duques” não rezará a história.

Sem comentários:

Enviar um comentário