A publicação do relatório do grupo de trabalho sobre o
serviço público de televisão, mais propriamente sobre o destino da RTP e a
discussão que ele tem gerado na comunicação social é matéria relevante para o
âmbito deste blogue. A relação público-privado atravessa claramente o tema e a
questão do serviço público é matéria central do nosso estatuto editorial.
O relatório é francamente débil do ponto de vista do seu
contributo para uma sólida e fundamentada discussão pública sobre o tema. A
defesa pública do relatório por parte do seu coordenador (João Duque) tem
representado um mau serviço à sua divulgação. A atribuição da coordenação deste
trabalho a um economista com as características de João Duque só pode
compreender-se por uma de duas razões, ambas malévolas:
- Ou constitui a retribuição de todo um trabalho de intervenção na comunicação social que a referida personalidade assumiu como antecâmara da vitória eleitoral da presente maioria, o que representa uma fraca retribuição tão entusiástica e laudatória foi essa presença constante nos media, com ampla cobertura e receptividade dos mesmos;
- Ou se pretendeu controlar os resultados do exercício, atribuindo desde logo essa coordenação a quem tem veiculado uma concepção demasiado enviesada do que a intervenção pública pode representar nos dias de hoje.
.Mas o episódio é representativo de muita outra coisa com
interesse para o nosso posicionamento.
Em primeiro lugar, ele evidencia bem a visão distorcida e
a concepção estritamente instrumental que o poder político tem (à esquerda, à
direita e ao centro) da função que deve caber aos “grupos de sábios”, “grupos
de trabalho”, “trabalho técnico” ou qualquer outra versão para a invocação do
conhecimento como elemento auxiliar do processo de tomada de decisão política.
Regra geral essa mobilização é meramente instrumental, fica bem, é esporádica.
Muito raras vezes o recurso ao conhecimento de quem sabe é utilizado para
fundamentar uma boa discussão pública sobre o tema em causa, enriquecendo a
opinião pública. O presente episódio é revelador. Existe um consenso
generalizado de que a iniciativa estava morta à nascença, pois as grandes
decisões já tinham sido tomadas e nem o curto prazo concedido para a produção
de resultados é compreensível com essas decisões já tomadas.
Depois, o contributo para uma discussão serena do que o
serviço público de rádio e televisão deve representar na sociedade portuguesa
de hoje é nulo. Diga-se desde já que não sou um entusiasta defensor do papel da
RTP e RDP. Ambas as programações jogam na aproximação ao ditame das audiências
e tendem globalmente a confundir-se com a mediocridade cultural e de
entretenimento do meio. A informação produzida por ambas as entidades está
longe do que melhor se faz em algum do sector privado. Assim sendo, a defesa
por si só de uma RTP e de RDP públicas corre o risco de se tornar apenas uma
opção ideológica. Ora, em meu entender, a defesa de um serviço público
contemporâneo de rádio e televisão não se confunde com a defesa desses canais,
embora possa tirar partido da sua existência, desde que devidamente formatada.
Esperar-se-ia desta oportunidade e do grupo de trabalho
(cuja composição deveria orientar-se para esse objectivo) um contributo sólido
para um debate alargado, extensivo à Assembleia da República, sobre o âmbito e
ambição de um serviço público de rádio e televisão. Será matéria sobre a qual
haverá oportunidade neste espaço de debater. Mas questões como a defesa e
promoção da língua portuguesa, a produção nacional de conteúdos culturais, uma
informação contextualizada ao serviço de uma opinião pública mais forte, a
compreensão do Portugal contemporâneo, a criação de mercados públicos para uma
componente de áudio visual e multimédia com ligação às indústrias culturais e criativas
deveriam ter expressão representativa num debate desse tipo. Só depois de
estabilizada a dimensão do serviço público caberia discutir em que medida a
existência de canais públicos serve a sua consolidação.
O que sai do relatório é uma amálgama de decisões,
recomendações e concessões aos interesses privados em jogo. Não é por acaso que
elementos do grupo de trabalho se têm multiplicado em artigos e esclarecimentos
complementares. A ilustração mais explícita da confusão em que o grupo de
trabalho se envolveu é a da manutenção de um canal público mas sem informação. Uma
trabalhada só compreensível dada a ausência de reflexão sobre o âmbito e ambição
do serviço público. E destes “Duques” não rezará a história.
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