domingo, 26 de fevereiro de 2017

A MORTE DE UM GRANDE SENHOR DA ECONOMIA




(Face à vastidão da obra de Kenneth Arrow, não haverá provavelmente obituário que seja capaz de abranger com conhecimento sólido e robusto a relevância do seu pensamento para a progressão da economia em várias direções, mas fica o registo do desaparecimento de um grande senhor, com a releitura de dois textos que permitem compreender a grandeza intelectual de quem viveu quase um século…)

Kenneth Arrow deixou-nos aos 95 anos, com uma obra prodigiosa de diversidade de domínios com contributos marcantes, praticamente todos construídos a partir do seu rigor matemático. A matemática na economia de Arrow não está seguramente na deriva da mathiness que recentemente Paul Romer denunciou. O rigor formal de Arrow foi sempre um ponto de partida seguro para novas incursões no pensamento. Um grande senhor ao nível de um John Hicks com quem partilhou o Nobel e de um Paul Samuelson com quem tinha longas conversas de família, pois Arrow e Samuelson eram tios de Lawrence Summers e apetece dizer que com tios assim a vida está facilitada.

Pode dizer-se que o meu conhecimento da obra de Kenneth Arrow é limitado. Mas o seu artigo de 1962 sobre a teoria do crescimento do learning-by-doing, no qual ele antecipa quase com 20 anos os modelos de crescimento endógeno, marcou para sempre a visão do crescimento económico. A ideia das curvas de aprendizagem como fator de crescimento suscetível de ser gerado a partir de dentro das economias, designadamente a partir de esforço de investimento, é revolucionária e destruiu robustamente a ideia de que o progresso técnico só poderia ser entendido e formalizado em economia como algo a custo zero, algo que cai do céu desde que as economias se organizem para beneficiar da transferência de conhecimento que, entre outros processos, o comércio internacional livre possibilita. Esta foi a minha entrada na obra de Arrow. Mas o seu contributo para a economia pública é decisivo, assim como para a compreensão da economia da informação, as ciências organizacionais e claro está para a sua dedução matemática do equilíbrio geral (com Gerard Debreu) que lhe valeu essencialmente o Nobel.

Em homenagem singela à sua obra e ao seu contributo para uma ciência económica mais robusta, li este fim-de-semana dois artigos, um que foi novidade total para mim (sugerido pelo meu filho Hugo) e um outro que revisitei com prazer, graças à maravilha dos recursos bibliográficos eletrónicos da FEP.

A novidade foi o artigo chamado “A Cautious Case for Socialism” de 1978, publicado por Arrow no Dissent Magazine, proveniente de uma conferência na Universidade de Colúmbia Nova Iorque, no ano letivo de 1977-1978. O artigo é uma delícia de rigor, de frontalidade, de honestidade intelectual e faz parte daquelas peças que deveriam constituir leitura e discussão obrigatórias para quem quer prosseguir atividades de investigação e docentes.

Arrow explica porque é que se transformou num intelectual contemplativo e não ativista, embora identifique com rigor e transparência os valores que motivaram a sua preferência pela causa do socialismo, o que é notável em alguém que chegou à perfeição da demonstração das condições em que os mercados podem equilibrar-se globalmente.

Vale a pena recordar os cinco critérios que Arrow aponta para a sua simpatia pelos valores socialistas e que são também a base para o seu afastamento das experiências históricas que ele conheceu e que se reivindicavam à época dessa orientação não capitalista:

  • A eficiência da economia em assegurar o pleno aproveitamento dos recursos;

  • A capacidade de evitar a guerra e outras corrupções políticas derivadas da prossecução do lucro;

  • Atingir a liberdade e evitar o seu controlo por uma pequena elite;
  • A igualdade de rendimento e de poder;

  • O estímulo aos comportamentos cooperativos em oposição à guerra da competição.

A pertinência destes valores ou critérios vai para além da questão de saber se hoje é possível atingi-los numa visão socializante e redistributiva do capitalismo ou se eles exigem a permanência da luta pela utopia socialista. É nesse plano que me situo e a sua luminosidade para os tempos de hoje é reconfortante. Só aos Grandes é que está reservada esta resiliência dos valores.

O outro artigo é mais recente, 1994, foi publicado no número de maio da American Economic Review, que reproduz os trabalhos da Conferência Anual da American Economic Association: “Methodological Individualism and Social Knowledge”. Fiel aos seus valores metodológicos do individualismo, Arrow chega ao conhecimento social e ao conceito de externalidades, que haveria de revolucionar toda a teoria do crescimento e a própria economia pública.

Obituários bem mais robustos do que este, podem ser encontrados no do sobrinho Lawrence Summers, em Joshua Gans e o do Fine Theorem.

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