(Face à vastidão da
obra de Kenneth Arrow, não haverá provavelmente obituário que seja capaz de abranger
com conhecimento sólido e robusto a relevância do seu pensamento para a
progressão da economia em várias direções, mas fica o registo do desaparecimento de um grande senhor, com a
releitura de dois textos que permitem compreender a grandeza intelectual de
quem viveu quase um século…)
Kenneth Arrow deixou-nos aos 95 anos, com uma obra prodigiosa de diversidade
de domínios com contributos marcantes, praticamente todos construídos a partir
do seu rigor matemático. A matemática na economia de Arrow não está seguramente
na deriva da mathiness que
recentemente Paul Romer denunciou. O rigor formal de Arrow foi sempre um ponto
de partida seguro para novas incursões no pensamento. Um grande senhor ao nível
de um John Hicks com quem partilhou o Nobel e de um Paul Samuelson com quem
tinha longas conversas de família, pois Arrow e Samuelson eram tios de Lawrence
Summers e apetece dizer que com tios assim a vida está facilitada.
Pode dizer-se que o meu conhecimento da obra de Kenneth Arrow é limitado. Mas
o seu artigo de 1962 sobre a teoria do crescimento do learning-by-doing, no qual ele antecipa quase com 20 anos os modelos
de crescimento endógeno, marcou para sempre a visão do crescimento económico. A
ideia das curvas de aprendizagem como fator de crescimento suscetível de ser gerado
a partir de dentro das economias, designadamente a partir de esforço de
investimento, é revolucionária e destruiu robustamente a ideia de que o
progresso técnico só poderia ser entendido e formalizado em economia como algo
a custo zero, algo que cai do céu desde que as economias se organizem para
beneficiar da transferência de conhecimento que, entre outros processos, o comércio
internacional livre possibilita. Esta foi a minha entrada na obra de Arrow. Mas
o seu contributo para a economia pública é decisivo, assim como para a
compreensão da economia da informação, as ciências organizacionais e claro está
para a sua dedução matemática do equilíbrio geral (com Gerard Debreu) que lhe
valeu essencialmente o Nobel.
Em homenagem singela à sua obra e ao seu contributo para uma ciência económica
mais robusta, li este fim-de-semana dois artigos, um que foi novidade total
para mim (sugerido pelo meu filho Hugo) e um outro que revisitei com prazer,
graças à maravilha dos recursos bibliográficos eletrónicos da FEP.
A novidade foi o artigo chamado “A Cautious Case for Socialism” de 1978, publicado
por Arrow no Dissent Magazine, proveniente
de uma conferência na Universidade de Colúmbia Nova Iorque, no ano letivo de
1977-1978. O artigo é uma delícia de rigor, de frontalidade, de honestidade
intelectual e faz parte daquelas peças que deveriam constituir leitura e discussão
obrigatórias para quem quer prosseguir atividades de investigação e docentes.
Arrow explica porque é que se transformou num intelectual contemplativo e não
ativista, embora identifique com rigor e transparência os valores que motivaram
a sua preferência pela causa do socialismo, o que é notável em alguém que chegou
à perfeição da demonstração das condições em que os mercados podem equilibrar-se
globalmente.
Vale a pena recordar os cinco critérios que Arrow aponta para a sua simpatia
pelos valores socialistas e que são também a base para o seu afastamento das
experiências históricas que ele conheceu e que se reivindicavam à época dessa
orientação não capitalista:
- A eficiência da economia em assegurar o pleno aproveitamento dos recursos;
- A capacidade de evitar a guerra e outras corrupções políticas derivadas da prossecução do lucro;
- Atingir a liberdade e evitar o seu controlo por uma pequena elite;
- A igualdade de rendimento e de poder;
- O estímulo aos comportamentos cooperativos em oposição à guerra da competição.
A pertinência destes valores ou critérios vai para além da questão de saber
se hoje é possível atingi-los numa visão socializante e redistributiva do
capitalismo ou se eles exigem a permanência da luta pela utopia socialista. É
nesse plano que me situo e a sua luminosidade para os tempos de hoje é
reconfortante. Só aos Grandes é que está reservada esta resiliência dos
valores.
O outro artigo é mais recente, 1994, foi publicado no número de maio da
American Economic Review, que reproduz os trabalhos da Conferência Anual da American
Economic Association: “Methodological
Individualism and Social Knowledge”. Fiel aos seus valores metodológicos do
individualismo, Arrow chega ao conhecimento social e ao conceito de
externalidades, que haveria de revolucionar toda a teoria do crescimento e a própria
economia pública.
Obituários bem mais robustos do que este, podem ser encontrados no do sobrinho Lawrence Summers, em Joshua Gans e o do Fine Theorem.
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