(Produto de uma
tarde de trabalho sobre uma obra mais recente, Great American City – Chicago and
the Enduring Neighborhood Effect, 2012, de Robert J. Sampson, fundamental para compreender a relevância dos
efeitos de vizinhança, proximidade ou bairro na compreensão da Cidade …)
A preparação da intervenção no dia 6 de março sobre a Cidade Habitada e a
Cidade por Habitar tem-se revelado mais complexa do que o esperado na aceitação
do convite, mas uma complexidade agradável, embora penalizadora do tempo
sobretudo para quem regressa, intermitentemente, ao tema da Cidade. E por muito
que os meus amigos arquitetos, urbanistas e engenheiros mais reflexivos da
Cidade por vezes não o admitam, a verdade é que as teorias sobre a Cidade
reportam a dimensões mais vastas que se prendem com a investigação social e
sobretudo à relação entre investigação e intervenção social. Por isso, neste
meu trabalho de bricolage revisitando leituras ou obras que ficaram pela
estante à espera de melhores dias, a reflexão é travessada por temas que ocuparam
tempos não despiciendos da minha formação sobre a compreensão não só da questão
urbana, mas também das ciências sociais em geral e do papel que a perplexa
economia está destinada a desempenhar nesse contexto.
Nessa onda de percurso aparentemente algo errante sobre as peças de um puzzle
que quero reconstruir para estruturar uma intervenção que honre a Conferência
do dia 6, trabalhei hoje a obra de Robert J. Sampson, Great
American City – Chicago and the Enduring Neighborhood Effect,
publicada em 2012 pela University Chicago Press. Embora a sua leitura seja
dificultada por nunca ter tido a oportunidade de visitar a cidade, trata-se a
todos os títulos de uma obra marcante a vários níveis. Primeiro, porque nos
traz em matéria de método de investigação um importante contributo sobre a
combinação de métodos quantitativos para analisar a problemática urbana, aquilo
que pomposamente se costuma designar de análise multimétodo, não aderindo completamente
à via do experimentalismo social e das análises contrafcatuais tão em moda hoje
entre os quantitativistas sociais. Segundo, porque a Great American City constitui
um esforço notável de recuperação das análises da vizinhança, da proximidade ou
do bairro/quarteirão como demonstração de que a dimensão mais coletiva e
comunitária da Cidade não está morta, antes pelo contrário, bem viva e com desenvolvimentos
promissores. Terceiro, porque a obra de Sampson permite antever novas orientações
para a intervenção social na dimensão local, não diretamente focada nos indivíduos,
os chamados públicos-alvo, mas antes na mediação organizacional que as instituições
civis sem fins lucrativos podem assumir enquanto instrumento seguro para uma maior
eficácia coletiva da ação social que se pretende implementar.
Mas como peça do puzzle que me proponho completar, é sobretudo a dimensão
da vizinhança e da proximidade que me interessa, pelo que ela representa de
alternativa ao princípio da seleção individual, ou seja, à ideia de que todos
os comportamentos, desvios ou patologias sociais na Cidade resultam de
processos de seleção individual. A atenção à vizinhança, proximidade, bairro ou
quarteirão representa também uma opção metodológica e é reconfortante concluir
que o tema resiste à moda das cidades globais, das cibercidades, dos modelos
café-society. Sampson vai surpreendentemente mais longe ao considerar que os
mecanismos (comportamentos) da seleção individual se subordinam aos contextos
de vizinhança e de proximidade e a estruturas de ordem superior. A seleção
individual está imersa (embedded) nos
contextos sociais, sendo ela própria um efeito do contexto de vizinhança. O
mecanismo é grosso modo este: a vizinhança influencia a seleção individual e as
suas perceções que, por sua vez, influenciam a mobilidade e ultimamente a
composição da vizinhança social e da dinâmica social que dela resulta ou nela
conflui:
“Os humanos
reagem à diferença de vizinhança e essas reações constituem mecanismos e práticas
sociais que por sua vez moldam perceções, relações pessoais e comportamentos que
refletem os limites tradicionais de vizinhança internos e exteriores e, como um
todo, definem a estrutura social da Cidade” (pag.356)
“A emergência de variação
na eficácia coletiva sugere que a capacidade de controlo social e de conexão com
os outros é uma propriedade social básica e que vai para além da composição
agrupada dos indivíduos - transcendendo a pobreza, a raça, o Estado e mesmo a
Internet, permitindo antever menos violência e melhor saúde pública conforme é
visível em vários estudos” (pag. 369).
Como é óbvio de Chicago para a realidade dos países de expressão portuguesa
que são a razão da Conferência vai toda uma necessidade de problematizar
criticamente o que é a vizinhança, proximidade, bairro ou quarteirão nesses
modelos territoriais. Mas estou certo que, qualquer que seja a problematização
crítica e adaptação necessária do conceito, a rejeição do lugar como entidade
conceptual ou a ideia de que as vizinhanças são entidades vazias determinadas apenas
por forças externas e poderosas são posturas que não nos conduzem à compreensão
da (s) Cidade (s) na sua irredutível diferença.
A figura do puzzle começa a fazer sentido.
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