(Não sou ingénuo o
suficiente para pensar que a matéria dos offshores e do seu não controlo não chega
em momento oportuno para o Governo, mas mais do que essa falsa coincidência da
pequena política, há uma
sucessão e convergência de factos que sugere que haverá ainda muita louça para
lavar ou partir, proveniente do que poderíamos chamar o capitalismo de compadrio
à portuguesa, dotado de insana capacidade de captura ou destruição de recursos
públicos …)
Escrevo quando no meu telemóvel caem as mensagem do Observador e do Público
segundo as quais Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no
governo anterior do PAF, terá assumido responsabilidade política pelo caso das
transferências dos offshores não controlados,
demitindo-se de militante do CDS. Só uma mente muito ingénua poderá admitir que
a emergência deste caso é simples coincidência e não deva ser entendido como
contraponto oportuno da “entretenga”
(parafraseando o colega de blogue) dos SMS e comunicações de Centeno e Domingues
que crispou o Parlamento. Mas coincidência ou contraponto oportuno, bendita
coincidência ou bendito contraponto deliberado. António Lobo Xavier, do alto da
sua competência técnica nestas matérias, tentou a todo o custo trazer para a
discussão que nos 10.000 milhões de euros transferidos e comunicados pela banca
estará eventualmente uma larga franja de transferências geradas por relações
normais de comércio internacional, exportações de bens ou serviços cujos
fornecedores exigem o pagamento para offshores
da sua escolha. E Tiago Caiado Guerreiro roçou o patético, insinuando que, face
às novas condições de regulamentação de offshores
essas transferências seriam mais tarde ou mais cedo detetadas, dando origem a receitas
fiscais caso não as tenham gerado, devendo por isso ser entendidas como um efeito
de diversão para ocultar coisas mais graves, como a corrupção. O conflito de interesses
é para esta gente uma abstração e destilam nas televisões o que corresponde aos
interesses de seus amos e senhores.
É claro que quando alguém refere que a PT está na origem de uma percentagem
significativa dos 10.000 milhões não controlados toda a bondade do tecnicismo
fica em cheque. E quando a talhe de foice (sem martelo) se sabe que Zainal Bava
e Henrique Granadeiro são arguidos nas derivas BES e PT, então o tecnicismo que
se borrife e é um aroma a decomposição de capitalismo de compadrio (crony capitalism) à portuguesa que se
instala no ar e Pacheco Pereira tem carradas de razão quando escreve que não nos
queiram tomar por parvos.
Queria crer que a economia e a sociedade portuguesa estarão a viver a destruição
dessas âncoras do capitalismo de compadrio com capacidade para evoluírem para
uma trajetória mais saudável e liberta de tais forças. Mas não estou seguro que
isso seja uma inevitabilidade. Tudo está nas mãos da justiça, mas comparando o
que se vai sabendo da justiça espanhola que já colocou atrás das grades personagens
similares da banca e do sistema financeiro espanhol, por cá ainda estamos pela
figura dos arguidos e provavelmente ainda longe dos tribunais, o que me causa
uma grande incomodidade. É que se tudo isto se apaga ou esmorece atrás de algum
estratagema ou manobra processual isso significará que o tal capitalismo de
compadrio à portuguesa conhece bem as malhas ocultas da lei. É claro que todo
este enredo se adensa cada vez mais também em torno da figura de José Sócrates.
Da fiabilidade das investigações e suspeições vertidas para a opinião pública
(já ninguém se incomoda com essa arbitrariedade) em torno do ex-primeiro Ministro
resultarão inúmeros cambiantes sobre a dimensão e disseminação na sociedade
portuguesa do tal compadrio capturador e destruidor de recursos públicos. Numa metáfora
apressada, direi que só espero que a justiça portuguesa tenha as competências
que se exigem a alguém obrigado a desativar uma bomba de grande potência,
porque se a não tiver …
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