sábado, 25 de fevereiro de 2017

A PODRIDÃO DE UM SISTEMA




(Não sou ingénuo o suficiente para pensar que a matéria dos offshores e do seu não controlo não chega em momento oportuno para o Governo, mas mais do que essa falsa coincidência da pequena política, há uma sucessão e convergência de factos que sugere que haverá ainda muita louça para lavar ou partir, proveniente do que poderíamos chamar o capitalismo de compadrio à portuguesa, dotado de insana capacidade de captura ou destruição de recursos públicos …)

Escrevo quando no meu telemóvel caem as mensagem do Observador e do Público segundo as quais Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no governo anterior do PAF, terá assumido responsabilidade política pelo caso das transferências dos offshores não controlados, demitindo-se de militante do CDS. Só uma mente muito ingénua poderá admitir que a emergência deste caso é simples coincidência e não deva ser entendido como contraponto oportuno da “entretenga” (parafraseando o colega de blogue) dos SMS e comunicações de Centeno e Domingues que crispou o Parlamento. Mas coincidência ou contraponto oportuno, bendita coincidência ou bendito contraponto deliberado. António Lobo Xavier, do alto da sua competência técnica nestas matérias, tentou a todo o custo trazer para a discussão que nos 10.000 milhões de euros transferidos e comunicados pela banca estará eventualmente uma larga franja de transferências geradas por relações normais de comércio internacional, exportações de bens ou serviços cujos fornecedores exigem o pagamento para offshores da sua escolha. E Tiago Caiado Guerreiro roçou o patético, insinuando que, face às novas condições de regulamentação de offshores essas transferências seriam mais tarde ou mais cedo detetadas, dando origem a receitas fiscais caso não as tenham gerado, devendo por isso ser entendidas como um efeito de diversão para ocultar coisas mais graves, como a corrupção. O conflito de interesses é para esta gente uma abstração e destilam nas televisões o que corresponde aos interesses de seus amos e senhores.

É claro que quando alguém refere que a PT está na origem de uma percentagem significativa dos 10.000 milhões não controlados toda a bondade do tecnicismo fica em cheque. E quando a talhe de foice (sem martelo) se sabe que Zainal Bava e Henrique Granadeiro são arguidos nas derivas BES e PT, então o tecnicismo que se borrife e é um aroma a decomposição de capitalismo de compadrio (crony capitalism) à portuguesa que se instala no ar e Pacheco Pereira tem carradas de razão quando escreve que não nos queiram tomar por parvos.

Queria crer que a economia e a sociedade portuguesa estarão a viver a destruição dessas âncoras do capitalismo de compadrio com capacidade para evoluírem para uma trajetória mais saudável e liberta de tais forças. Mas não estou seguro que isso seja uma inevitabilidade. Tudo está nas mãos da justiça, mas comparando o que se vai sabendo da justiça espanhola que já colocou atrás das grades personagens similares da banca e do sistema financeiro espanhol, por cá ainda estamos pela figura dos arguidos e provavelmente ainda longe dos tribunais, o que me causa uma grande incomodidade. É que se tudo isto se apaga ou esmorece atrás de algum estratagema ou manobra processual isso significará que o tal capitalismo de compadrio à portuguesa conhece bem as malhas ocultas da lei. É claro que todo este enredo se adensa cada vez mais também em torno da figura de José Sócrates. Da fiabilidade das investigações e suspeições vertidas para a opinião pública (já ninguém se incomoda com essa arbitrariedade) em torno do ex-primeiro Ministro resultarão inúmeros cambiantes sobre a dimensão e disseminação na sociedade portuguesa do tal compadrio capturador e destruidor de recursos públicos. Numa metáfora apressada, direi que só espero que a justiça portuguesa tenha as competências que se exigem a alguém obrigado a desativar uma bomba de grande potência, porque se a não tiver …

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