sábado, 11 de fevereiro de 2017

O LOBO DOS AFETOS




(Não há que esconder, sou um inveterado leitor de António Lobo Antunes e a longa entrevista à revista do Expresso deste fim de semana coloca-nos perante o modo como um escritor lida com a finitude da vida, esperando sempre que a promessa dos últimos livros não se cumpra tão cedo …)

Está visto que o fim de semana está orientado para a cultura reflexiva e a revista do Expresso continua a ser um documento-bálsamo para tanta irrelevância que nos passa perante os olhos de leitor.

Não vou entrar na velha questão de saber se toda a obra é autobiográfica, mas a verdade é que, à medida que Lobo Antunes se vai abrindo nas entrevistas para que está virado (empatia com a jornalista? Talvez), vou compreendendo melhor o lado oculto de muitos dos seus escritos e não estou a falar naquela sua maneira, cada vez mais refinada, de escrever em diferentes círculos temporais, que nos cansa e que nos leva, por vezes à chamada exaustão do leitor.

Os seus afetos, cada vez mais assumidos e confessados, misturam-se com a procura obsessiva da última obra, que anda a ser anunciada quase há dez anos. Não tenho a certeza que a busca do Graal da obra perfeita, com que ele possa despedir-se dos seus leitores, vá ter concretização, já que nas três ou quatro últimas obras há material muito diversificado e certamente longe do que poderia ser designada de perfeição, testamento final. Pela minha parte, basta-me que Lobo Antunes seja fiel aquela religiosidade do trabalho de escrita, tal qual operário que enfrenta jornadas longas de trabalho, ainda por cima concretizada com uma escrita manual que se vai depurando em sucessivas versões. Um esforço que a partir do momento-chave é de comando pelo desenvolvimento da própria obra, da qual o operário da escrita é um humilde servo.

A escrita tem pormenores deliciosos desde o estar sempre zangado com Deus, sempre compreendido pelo seu Amigo Frei Bento Domingues, até aos cambiantes da sua amizade com José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço e outros, passando pela força omnipresente do Pai e o forte relacionamento com quase todos os seus irmãos. Na entrevista há algumas revelações novas que vão ajudando a compor o puzzle, desde a descoberta de Chandler e a sua amizade com Agustina Bessa Luís e de repente estou cheio de gozo pois a interseção do conjunto dos meus interesses e referências com o do universo de Lobo Antunes é forte.

Mas à medida que estes desenvolvimentos se vão produzindo nas diferentes entrevistas é também uma visão do Portugal literário e ensaístico que se vai desvendando.

E bastaria a definição de sofrimento “é tudo a poder de lágrimas e ais” que o lobo dos afetos foi buscar a uma camponesa analfabeta, doente do seu Pai, para justificar a bela entrevista de Cristina Margato.

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