(Não há que esconder,
sou um inveterado leitor de António Lobo Antunes e a longa entrevista à revista
do Expresso deste fim de semana coloca-nos perante o modo como um escritor lida
com a finitude da vida, esperando
sempre que a promessa dos últimos livros não se cumpra tão cedo …)
Está visto que o fim de semana está orientado para a cultura reflexiva e a
revista do Expresso continua a ser um documento-bálsamo para tanta irrelevância
que nos passa perante os olhos de leitor.
Não vou entrar na velha questão de saber se toda a obra é autobiográfica, mas
a verdade é que, à medida que Lobo Antunes se vai abrindo nas entrevistas para
que está virado (empatia com a jornalista? Talvez), vou compreendendo melhor o
lado oculto de muitos dos seus escritos e não estou a falar naquela sua maneira,
cada vez mais refinada, de escrever em diferentes círculos temporais, que nos cansa
e que nos leva, por vezes à chamada exaustão do leitor.
Os seus afetos, cada vez mais assumidos e confessados, misturam-se com a
procura obsessiva da última obra, que anda a ser anunciada quase há dez anos. Não
tenho a certeza que a busca do Graal da obra perfeita, com que ele possa
despedir-se dos seus leitores, vá ter concretização, já que nas três ou quatro últimas
obras há material muito diversificado e certamente longe do que poderia ser designada
de perfeição, testamento final. Pela minha parte, basta-me que Lobo Antunes
seja fiel aquela religiosidade do trabalho de escrita, tal qual operário que
enfrenta jornadas longas de trabalho, ainda por cima concretizada com uma
escrita manual que se vai depurando em sucessivas versões. Um esforço que a
partir do momento-chave é de comando pelo desenvolvimento da própria obra, da
qual o operário da escrita é um humilde servo.
A escrita tem pormenores deliciosos desde o estar sempre zangado com Deus,
sempre compreendido pelo seu Amigo Frei Bento Domingues, até aos cambiantes da
sua amizade com José Cardoso Pires, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço e
outros, passando pela força omnipresente do Pai e o forte relacionamento com quase
todos os seus irmãos. Na entrevista há algumas revelações novas que vão
ajudando a compor o puzzle, desde a descoberta de Chandler e a sua amizade com
Agustina Bessa Luís e de repente estou cheio de gozo pois a interseção do
conjunto dos meus interesses e referências com o do universo de Lobo Antunes é
forte.
Mas à medida que estes desenvolvimentos se vão produzindo nas diferentes
entrevistas é também uma visão do Portugal literário e ensaístico que se vai
desvendando.
E bastaria a definição de sofrimento “é tudo a poder de lágrimas e ais” que
o lobo dos afetos foi buscar a uma camponesa analfabeta, doente do seu Pai,
para justificar a bela entrevista de Cristina Margato.
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