(A publicação
pelo INE da estimativa rápida das Contas Nacionais Trimestrais relativas ao 4º
trimestre de 2016 e ao ano de 2016 suscita, paradoxalmente, pela sua reduzida
pormenorização, mais e interessantes considerações do que seria de esperar, o que é sinal dos tempos que correm pela
economia portuguesa …)
A estimativa rápida do INE acima referida traz nestes tempos de incerteza
global tão relevante para uma economia de pequena dimensão como a portuguesa
boas notícias. A economia cresceu em cadeia no quarto trimestre, em termos
reais, 0,6%, acima dos 0,4% da zona euro e dos 0,5% da economia europeia (UE28),
sendo em termos homólogos face ao mesmo trimestre de 2015 de 1,9% (1,7% e 1,8%
respetivamente na zona euro e na UE28), mas ainda acima abaixo dos 3% da Espanha
que voga por águas favoráveis ao PP. Tanto quanto o ano de 2016 pode ser desde
já antecipado, a taxa de crescimento em termos terá sido de 1,4%.
Embora não forneça a desagregação que só a publicação das contas
definitivas de 2016 poderá explicitar, o INE refere que o último trimestre de
2016 terá determinado um reforço do ritmo de crescimento do consumo privado e
finalmente a recuperação do investimento, mas nada se avança sobre se é a
componente privada do investimento a protagonizar a assinalada recuperação. Refere-se,
e isso é um elemento relevante, que o contributo líquido da procura externa
para o crescimento foi negativo, não devido ao comportamento das exportações,
mas antes ao das importações que responderam ao reforço do consumo e á
recuperação do investimento.
Que interpretações suscitam estes dados?
Em primeiro lugar, que a economia portuguesa acompanhou, ligeiramente à
frente, a resistência revelada pela economia europeia face aos tempos de incerteza
global determinados seja pela ameaça do BREXIT (que já está a gerar custos para
setores da economia nacional, veja-se o testemunho do pujante calçado esta
semana), seja pelas ameaças políticas que Trump e seus alucinados derivados estão
a provocar. E nesta reação há, pelo menos um tabu que fica comprometido. Se a
incerteza global não se transmitir aos mercados financeiros, que andam entretidos
com alguma valorização dos mercados de ações, a zona euro e a UE28 vão resistindo
e a economia portuguesa não é dessa dinâmica de resistência afastada. Isto com um
governo com apoio parlamentar à esquerda e tendo de acomodar o relativo
encerramento do mercado angolano, essencialmente um complemento de escoamento
para a capacidade produtiva instalada. Ora, não é coisa pouca saber que um
governo com vida quotidiana difícil, que o digam a agenda do secretário de Estado
Nuno Santos e o telefone do primeiro-Ministro, não perturba o alinhamento da
economia portuguesa com a recuperação do crescimento na Europa, mesmo que países
como a Polónia, a Espanha, a Roménia, a Bulgária e a Eslováquia tenham
experimentado no quarto trimestre de 2016 crescimentos homólogos acima do
observado em Portugal (a Roménia com mais do que o dobro do crescimento português).
Percebe-se, por isso, a necessidade imperiosa da oposição de direita cavalgar
outros factos. É que a destruição do mito segundo o qual um governo com apoio
parlamentar à esquerda não pode, em simultâneo, corrigir o défice e crescer
ligeiramente acima da média europeia e da zona euro, está aparentemente assegurada,
mesmo que não possamos por agora afiançar a sua sustentabilidade futura. Trata-se
de coisa relevante para a formatação das expectativas do eleitor médio, reforçado
ainda pelo facto disso ter acontecido com reposição de cortes observados
durante o período de governação anterior. Bem podem o PCP e o Bloco de Esquerda
continuar com o que Pacheco Pereira designa de expressões declarativas
aparentemente inimigas do ambiente X favorável aos negócios. Os números não
confirmam esse impacto desfavorável, mesmo que os mais renitentes possam invocar
o contrafactual de último recurso: a economia poderia noutro contexto ter crescido
mais.
Mas há matéria de reflexão adicional.
Primeiro, pressupusemos há pouco que a incerteza global política
aparentemente vencida não contamina a estabilidade financeira. Se isso
acontecer outro galo cantará e o peso da dívida entrará em funções, sendo em tal
caso necessários mais crescimento e mais inflação para domar o bicho. Penso que
foi este o pensamento determinante que levou o Presidente Marcelo a proteger o
ministro das Finanças. Com bichos perigosos e imprevisíveis o melhor é não
contribuir para os acordar. É este o segredo a meu ver da invocação do interesse
nacional expresso na declaração de perto da meia-noite de ontem da Presidência.
Assino por baixo embora Centeno esteja a sair mal do processo.
Segundo, a aceleração do consumo e do investimento continuam como sempre a
puxar para cima as importações e a reduzir, por essa via, o contributo líquido
da procura externa para o crescimento. Se a questão do consumo pode ser
atalhada a do investimento nem por isso. Assim sendo, uma de duas: ou as
exportações terão de projetar-se a um nível tal que compensem o fardo do
aumento de importações ditado pelo crescimento, o que tem limites de faixas de operação
no mercado externo e de magnitude de empresas em condições de o protagonizar;
ou então a economia portuguesa tem de reduzir substancialmente as necessidades
de financiamento público para poder acomodar as necessidades de financiamento determinadas
por défices externos gerados pelo crescimento. É claro que é preferível gerir
um défice de financiamento externo ditado pelo impulso das importações pelo crescimento
económico. Mas não deixa de pressionar as necessidades de financiamento líquido
da economia, com dívida alta e sem inflação a ajudar. São dilemas que se colocam
à economia portuguesa que não se alteraram por termos vencido o mito de que um
governo mais à esquerda não pode corrigir défice e crescer.
É para estes temas que temos de encontrar respostas à esquerda, com serenidade.
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