quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

MAIS CONHECIMENTO SOBRE A DESIGUALDADE

(In Facundo Alvaredo e outros, Global Inequality Dynamics: New Findings from WID world", NBER Working Paper 23119)


(A investigação de Piketty e do grupo de economistas que com ele partilha investigação, agora já sem o saudoso Tony Atkinson, continua a trazer-nos informação cada vez mais fina e rigorosa, contribuindo para que a desigualdade se afirme como tema crucial em economia e não como matéria abstrata carenciada de evidência …)

Com caminho aberto por um conjunto de economistas que nunca desprezou o rigor das evidências para construir interpretações sólidas sobre as mesmas, o economista francês Thomas Piketty logrou obter com a sua obra de 2014 uma notoriedade inesperada. Mas essa notoriedade não se terá repercutido apenas na sua conta bancária e prestígio internacional. Projetou-se, e isso é que é importante, na criação de condições para mais trabalho de investigação com pontes entre Paris (Sorbonne) e a Califórnia (Berkeley), passando ainda por outras amarrações sobretudo Oxford no Reino Unido.

O grupo integra essencialmente os europeus Piketty, Fecundo Alvaredo e Lucas Chancel e os americanos Emmanuel Saez e Gabriel Zucman. Do seu valioso trabalho, que beneficiou muito do contributo notável de Anthony Atkinson, entretanto desaparecido, resultou sobretudo o acesso público a uma valiosa base de dados, a WID.world (World Wealth and Income database). E pela própria designação da base de dados se percebe como é importante o facto das evidências reunidas com afinco e extrema paciência (sem esquecer a transparência perante os pares) envolver o tratamento simultâneo das variáveis “riqueza” e “rendimento”, aliás no seguimento do que constituiu sobretudo o alcance inovador da obra de Piketty (O Capital no Século XXI). Para além dessa valia de integrar dados sobre a riqueza (fundamental para se compreender a relação entre o stock e o fluxo), o trabalho daquele conjunto de economistas vale também por outros aprofundamentos relevantes, como o é a utilização combinada de dados provenientes das Contas Nacionais, dos impostos e política fiscal dos países e da base de inquéritos que representava até há bem pouco tempo a fonte principal da origem de dados. Nesta matéria, sabe bem confirmar o grande apreço destes economistas pelo trabalho pioneiro de Simon Kuznets nos anos 50, contrastando com outras iluminárias que não fazem a mínima ideia do alcance desses trabalhos de Kuznets, de reconstituição meticulosa de séries macroeconómicas.

Por agora, o trabalho do grupo tem incidido sobretudo na análise comparativa da desigualdade entre os EUA, a França, o Reino Unido e a China, anunciando esta última que a base de dados vai começar a incorporar progressivamente outras economias emergentes. Essa progressão vai ser crucial para compreender os matizes da evolução do capitalismo contemporâneo.

O curto artigo de fevereiro de 2017 publicado pelo grupo no National Bureau of Economic Research (USA) é importante para fixarmos o estado da arte em matérias de grandes tendências nas economias mais avançadas. Por aí se compreende a tendência inexoravelmente evidenciada para o crescimento da percentagem de rendimento apropriada pelo 1% mais rico destes países e para o aumento do rácio “Riqueza privada líquido /Rendimento Nacional”. Os dados mostram ainda que, com exceção da resiliente França, os 50% mais pobres têm vindo a perder progressivamente quota de rendimento, evidenciando uma séria quebra das perspetivas de melhoria de condições pela parte mais desfavorecida das populações.
(In Facundo Alvaredo e outros, Global Inequality Dynamics: New Findings from WID world", NBER Working Paper 23119)

Entretanto, a China prossegue a ritmo extremamente rápido o caminho para uma desigualdade crescente, a que não é estranho o processo de “privatização” da propriedade que vai acontecendo no estranho comunismo chinês.
(In Facundo Alvaredo e outros, Global Inequality Dynamics: New Findings from WID world", NBER Working Paper 23119)

Mas talvez a ideia mais interessante e com maior potencial de discussão do ponto de vista das políticas públicas é a tese sustentada pelos autores, segundo a qual contrariar o agravamento da desigualdade terá menos eficácia por via da redistribuição ex-post (impostos e transferências) do que pugnar por uma distribuição mais equilibrada de ativos primários, tais como o capital humano, o capital financeiro e o poder de barganha no mercado de trabalho. Aliás, nesta matéria, o grupo acaba por seguir de perto algumas propostas que Piketty tem realizado para promover uma rediscussão mais intensa e alargada da social-democracia europeia. Ou seja, que as políticas de educação, as reformas no mercado de trabalho (salário mínimo incluído), modelos de governação nas empresas e mais representatividade do trabalho na vida das empresas constituem vias sobre as quais se tem de trabalhar de modo mais persistente.

Concluem os autores que, no seio de uma tendência geral de agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza, são as condições das políticas e das instituições de cada país que explicam os diferentes ritmos e intensidades com que esse agravamento se concretiza. O que significa que há margem de manobra para contrariar o peso da tendência.

(Alterado o último parágrafo em 16.02.2017).

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