sábado, 4 de fevereiro de 2017

O OLHAR GRANDE DE ALMADA




(A convergência de matérias profissionais e reencontros familiares levou-me à grande exposição na Gulbenkian sobre Almada Negreiros, “Uma maneira de ser moderno” ontem inaugurada, e sempre que vejo uma mostra desta magnitude fico mais consciente da incapacidade portuguesa de avaliar a dimensão dos seus génios)

A emergência da modernidade em Portugal intriga-me, sobretudo pelo contexto nacional bafiento e opressor em que ela emergiu. A compreensão dessa emergência ficaria comprometida sem entendermos bem a dimensão de Almada Negreiros cujo modernismo ainda foi objeto de captura e recuperação pelo regime, embora não suficientemente opressora para domar a irreverência da personalidade.

A mostra da Gulbenkian é sobretudo relevante para se ter uma perceção da vastidão física e de linguagens que a obra de Almada Negreiros veicula, tão bem sublinhada na metáfora daqueles olhos grandes que pontificam em alguns dos seus desenhos e telas. Não só a ideia do olho e do olhar como símbolo do acesso ao conhecimento, mas sobretudo a dimensão desse olhar transportando-nos para visão lata da realidade que a diversidade das suas linguagens artísticas tão bem representa.

A relativamente longa vida de Almada, noventa e sete anos, permitiu-lhe conviver e colaborar com sucessivas gerações de modernismo em Portugal, o que faz da sua obra um repositório de colaborações inter-escolas, linguagens e idades, difícil de encontrar noutros domínios.

Se a memória não me atraiçoa, terá sido José Augusto França quem referiu que Almada é o expoente da máxima “sem mestres, mas também sem discípulos” e essa ideia marca bem as dificuldades de estar na fronteira da arte num país com esta dimensão e pequenez.


Acredito em convergências cósmicas e, de tarde, num curto e saudável percurso pela Lx Factory, apanhei na Ler Devagar a muito recente “Obsessão da Portugalidade” de Onésimo Teotónio de Almeida. Onésimo é uma das minhas referências para entender a “Açorianidade” e a quem tantas vezes recorri para contextualizar alguns trabalhos nos Açores. Do alto dos seus mais de quarenta anos na América, portanto com uma visão simultaneamente de fora e de dentro do país, a análise da portugalidade de Onésimo parece-me promissora.

O que pensará ele das desventuras e amarguras dos espíritos livres americanos?

Sem comentários:

Enviar um comentário