quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

ESTHER (DUFLO) A CANALIZADORA




(Estamos em tempo de reconsideração do papel dos economistas e a economia do desenvolvimento não foge à tentação e pela mão de uma das economistas mais influentes nessa área)

A desenfreada especialização disciplinar que vai atravessando o domínio da economia torna cada vez mais difícil a escolha de metáforas para descrever o papel que está reservado aos economistas. A esperança uma vez expressa por Keynes de que as coisas evoluiriam de maneira a poder considerar-se a competência de um economista em termos similares à que pode ser atribuída a um dentista tem contrariado a visão otimista do Mestre. E os tempos que correm, sobretudo os que emergiram após a controversa falha da economia em prever os acontecimentos de 2007-2008, vieram trazer novas metáforas para descrever o que melhor caracteriza a intervenção dos economistas na sociedade. A sobre-especialização disciplinar determina que não há imaginação para tanta metáfora que é necessária, pois hoje são cada vez mais raros os que se atrevem a enfrentar a globalidade das coisas, para não falar já na pretensa autossuficiência dos economistas face a outras ciências sociais.

A economia do desenvolvimento é um domínio propício à descoberta dessas metáforas, pois do trabalho dos economistas depende em grande medida a qualidade e a eficácia das políticas públicas. E, em matéria de desenvolvimento, quando se fala de eficácia é de pessoas que se trata, beneficiários de políticas e agentes de intermediação dessas políticas.

Ora, quando uma economista do calibre de Esther Duflo se aventura pelo mundo destas metáforas para melhor caracterizar o que faz e o alcance e resultados do que realiza, alto lá, há aqui matéria e vale a pena parar para pensar, seguindo-lhe o raciocínio, obviamente contextualizado face à sua prática.

Duflo, professora no MIT, tem um pujante e vasto trabalho por diferentes países em desenvolvimento (subdesenvolvimento no meu tempo de iniciação à disciplina), conduzido por uma via que poderíamos classificar de experimentalismo de desenvolvimento. Duflo é uma especialista das técnicas de randomização para desenhar políticas após a experimentação comparada em grupos sociais que beneficiam da medida versus grupos que dela não beneficiam. É assim uma espécie de microeconomista do desenvolvimento e as suas teses são por vezes revolucionárias em termos por exemplo de explicação e de superação da pobreza. As técnicas de randomização não são imunes à crítica (veja-se por exemplo o pensamento crítico do Nobel Angus Deaton) mas não é disso que o post de hoje trata.

Esther Duflo deu recentemente duas conferências, relacionadas e muito baseadas em resultados de trabalhos conduzidos pela sua equipa no MIT: a já célebre lição dedicada a Richard T. Ely da American Economic Association e a lição dedicada a Richard Goode no FMI. Nestas duas lições ou conferências, Duflo fala dos economistas como canalizadores e como eu a percebo. Como o trabalho de terreno que serve de evidência à metáfora é o seu próprio trabalho por esse mundo em desenvolvimento, Duflo considera-se uma economista canalizadora.

Como eu a percebo!

É interessante trazer para aqui a comparação que ela estabelece entre o economista-engenheiro e o economista canalizador:

O engenheiro conhece quais são as características essenciais do contexto e tenta conceber a máquina para as resolver. A economista canalizadora não dispõe da rede de segurança de um conjunto limitado de pressupostos. Tem de fazer antecipações e não tem mesmo a certeza de quais serão os pormenores que irão tornar-se importantes.”

A metáfora surge enriquecida quando Duflo fala da conceção das torneiras (a identificação dos pormenores aparentemente irrelevantes) e dos canos (os mecanismos de ligação entre as grandes decisões, designadamente políticas, e as realizações que atinjam efetivamente os beneficiários da política. Como é óbvio o economista canalizador não dispensa a ciência e a engenharia, mas o que Duflo insiste é nas possíveis virtualidades da experimentação, com as torneiras e a canalização adequadas.

Por que razão julgo bem perceber a canalizadora?

Para quem trabalha em torno de políticas públicas e de planeamento sabe como entre o processo de decisão e a transformação efetiva do que se quer e é necessário transformar há um mundo de torneiras e canalizações para inventar. E como o próprio trabalho da equipa de Duflo o demonstra, a metáfora dá também para ajudar a compreender os desvios da corrupção, os efeitos perversos, os beneficiários que não chegam a ser efetivamente beneficiários, porque entretanto a canalização não foi bem desenhada ou não se teve acesso à torneira certa.

Fascinante! Não?

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