(Estamos em tempo
de reconsideração do papel dos economistas e a economia do desenvolvimento não
foge à tentação e pela mão
de uma das economistas mais influentes nessa área)
A desenfreada especialização disciplinar que vai atravessando o domínio da
economia torna cada vez mais difícil a escolha de metáforas para descrever o papel
que está reservado aos economistas. A esperança uma vez expressa por Keynes de
que as coisas evoluiriam de maneira a poder considerar-se a competência de um
economista em termos similares à que pode ser atribuída a um dentista tem contrariado
a visão otimista do Mestre. E os tempos que correm, sobretudo os que emergiram
após a controversa falha da economia em prever os acontecimentos de 2007-2008, vieram
trazer novas metáforas para descrever o que melhor caracteriza a intervenção
dos economistas na sociedade. A sobre-especialização disciplinar determina que
não há imaginação para tanta metáfora que é necessária, pois hoje são cada vez
mais raros os que se atrevem a enfrentar a globalidade das coisas, para não
falar já na pretensa autossuficiência dos economistas face a outras ciências
sociais.
A economia do desenvolvimento é um domínio propício à descoberta dessas metáforas,
pois do trabalho dos economistas depende em grande medida a qualidade e a eficácia
das políticas públicas. E, em matéria de desenvolvimento, quando se fala de eficácia
é de pessoas que se trata, beneficiários de políticas e agentes de intermediação
dessas políticas.
Ora, quando uma economista do calibre de Esther Duflo se aventura pelo
mundo destas metáforas para melhor caracterizar o que faz e o alcance e
resultados do que realiza, alto lá, há aqui matéria e vale a pena parar para pensar,
seguindo-lhe o raciocínio, obviamente contextualizado face à sua prática.
Duflo, professora no MIT, tem um pujante e vasto trabalho por diferentes países
em desenvolvimento (subdesenvolvimento no meu tempo de iniciação à disciplina),
conduzido por uma via que poderíamos classificar de experimentalismo de
desenvolvimento. Duflo é uma especialista das técnicas de randomização para desenhar
políticas após a experimentação comparada em grupos sociais que beneficiam da medida
versus grupos que dela não beneficiam. É assim uma espécie de microeconomista
do desenvolvimento e as suas teses são por vezes revolucionárias em termos por
exemplo de explicação e de superação da pobreza. As técnicas de randomização não
são imunes à crítica (veja-se por exemplo o pensamento crítico do Nobel Angus
Deaton) mas não é disso que o post de
hoje trata.
Esther Duflo deu recentemente duas conferências, relacionadas e muito
baseadas em resultados de trabalhos conduzidos pela sua equipa no MIT: a já célebre lição dedicada a Richard T. Ely da American Economic Association e a lição dedicada a Richard Goode no FMI. Nestas duas lições ou conferências, Duflo fala dos economistas
como canalizadores e como eu a percebo. Como o trabalho de terreno que serve de
evidência à metáfora é o seu próprio trabalho por esse mundo em desenvolvimento,
Duflo considera-se uma economista canalizadora.
Como eu a percebo!
É interessante trazer para aqui a comparação que ela estabelece entre o
economista-engenheiro e o economista canalizador:
“O engenheiro conhece quais são as características
essenciais do contexto e tenta conceber a máquina para as resolver. A
economista canalizadora não dispõe da rede de segurança de um conjunto limitado
de pressupostos. Tem de fazer antecipações e não tem mesmo a certeza de quais
serão os pormenores que irão tornar-se importantes.”
A metáfora surge enriquecida quando Duflo fala da conceção das torneiras (a
identificação dos pormenores aparentemente irrelevantes) e dos canos (os
mecanismos de ligação entre as grandes decisões, designadamente políticas, e as
realizações que atinjam efetivamente os beneficiários da política. Como é óbvio
o economista canalizador não dispensa a ciência e a engenharia, mas o que Duflo
insiste é nas possíveis virtualidades da experimentação, com as torneiras e a
canalização adequadas.
Por que razão julgo bem perceber a canalizadora?
Para quem trabalha em torno de políticas públicas e de planeamento sabe
como entre o processo de decisão e a transformação efetiva do que se quer e é
necessário transformar há um mundo de torneiras e canalizações para inventar. E
como o próprio trabalho da equipa de Duflo o demonstra, a metáfora dá também
para ajudar a compreender os desvios da corrupção, os efeitos perversos, os
beneficiários que não chegam a ser efetivamente beneficiários, porque
entretanto a canalização não foi bem desenhada ou não se teve acesso à torneira
certa.
Fascinante! Não?
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