quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

UM GRANDE TESTEMUNHO




(Melhor do que um obituário, a entrevista de hoje de João Almeida no Quinta Essência da Antena 2 a Mário Ruivo é a melhor homenagem possível ao senhor dos Oceanos que morre sem que os Portugueses tenham compreendido bem a sua ação em prol de um Mar mais nosso já tendo sido nosso)

O desaparecimento de Mário Ruivo passou despercebida neste blogue e disso me penitencio sem margem de desculpa. Por isso, as circunstâncias de uma viagem profissional de carro de Braga para o Porto, em velocidade moderada dados os salpicos do temporal que vai assolando a nossa costa, colocaram-me em linha com a Antena 2, onde se recuperava uma entrevista de João Almeida no Quinta Essência ao investigador biólogo oceânico.

Apesar de um impreparado e apressado João Almeida ter corrido riscos de ter matado a riqueza de testemunho que a entrevista transmitiu, viajei deliciado a meditar sobre aquele testemunho que encontrou à época na biologia e no estudo da vida a melhor forma de investir no conhecimento para combater o obscurantismo bafiento que se disseminava em Portugal. O testemunho de Mário Ruivo foi da ação semiclandestina dos tempos do liceu de Évora, em que o apoio aos Aliados na guerra de 1939-1945 representava o espaço certo de defesa da democracia num país que não a respeitava, à sua vinda para Lisboa para a Faculdade de Ciências para estudar biologia onde teve os primeiros contactos com Mário Soares e se recordou a grande manifestação de estudantes que comemorou o fim da guerra, com passagem pelas embaixadas dos países que a ganharam para relembrar que Portugal não era um país democrático. Recordou também a sua atividade no MUD juvenil e os primeiros encontros com a PIDE, segundo sua curiosa teoria do fusível para explicar as intervenções seletivas da polícia política para desmembrar redes de ativismo político.

Depois evoluiu para os seus quatro anos na Sorbonne e nos laboratórios de Perpignan para desenvolvimento dos estudos e investigação de biologia oceânica e com os primeiros contactos com o Calipso de Jacques Cousteau. Notável também o seu testemunho sobre o seu regresso a Portugal para estudar o bacalhau em terras da Gronelância e toda uma série de outras intervenções que se sucederam até poder ser considerado uma personalidade mundial incontornável na defesa dos Oceanos.

O país não terá por certo compreendido a persistência democrática deste homem que viu no conhecimento, na ciência e na investigação a melhor forma de defender o seu país primeiro em período de trevas e depois em democracia tudo fez para que os sucessivos compreendessem a valia do Mar como recurso e como preocupação cívica.

A riqueza das experiências que parcialmente Mário Ruivo descreveu nesta entrevista terá certamente produzido a retribuição pessoal para todo o seu trabalho e persistência, mesmo que tenha desaparecido talvez com a sensação de que, apesar de todo o seu esforço, o país não terá ainda abandonado a retórica do Mar e da sua economia, não compreendendo a valia do recurso e o espaço de investimento cívico que ele representa.

Apesar do tom impreparado com que João Almeida conduziu a entrevista, acho que ela deveria ser considerada um material pedagógico incontornável para todos os que aspirem a uma vida científica e profissional em torno deste Recurso.

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