(Melhor do que um
obituário, a entrevista de hoje de João Almeida no Quinta Essência da Antena 2
a Mário Ruivo é a melhor
homenagem possível ao senhor dos Oceanos que morre sem que os Portugueses tenham
compreendido bem a sua ação em prol de um Mar mais nosso já tendo sido nosso)
O desaparecimento de Mário Ruivo passou despercebida neste blogue e disso
me penitencio sem margem de desculpa. Por isso, as circunstâncias de uma viagem
profissional de carro de Braga para o Porto, em velocidade moderada dados os
salpicos do temporal que vai assolando a nossa costa, colocaram-me em linha com
a Antena 2, onde se recuperava uma entrevista de João Almeida no Quinta
Essência ao investigador biólogo oceânico.
Apesar de um impreparado e apressado João Almeida ter corrido riscos de ter
matado a riqueza de testemunho que a entrevista transmitiu, viajei deliciado a
meditar sobre aquele testemunho que encontrou à época na biologia e no estudo
da vida a melhor forma de investir no conhecimento para combater o
obscurantismo bafiento que se disseminava em Portugal. O testemunho de Mário
Ruivo foi da ação semiclandestina dos tempos do liceu de Évora, em que o apoio
aos Aliados na guerra de 1939-1945 representava o espaço certo de defesa da
democracia num país que não a respeitava, à sua vinda para Lisboa para a
Faculdade de Ciências para estudar biologia onde teve os primeiros contactos
com Mário Soares e se recordou a grande manifestação de estudantes que comemorou
o fim da guerra, com passagem pelas embaixadas dos países que a ganharam para
relembrar que Portugal não era um país democrático. Recordou também a sua atividade
no MUD juvenil e os primeiros encontros com a PIDE, segundo sua curiosa teoria do
fusível para explicar as intervenções seletivas da polícia política para desmembrar
redes de ativismo político.
Depois evoluiu para os seus quatro anos na Sorbonne e nos laboratórios de Perpignan
para desenvolvimento dos estudos e investigação de biologia oceânica e com os
primeiros contactos com o Calipso de Jacques Cousteau. Notável também o seu
testemunho sobre o seu regresso a Portugal para estudar o bacalhau em terras da
Gronelância e toda uma série de outras intervenções que se sucederam até poder
ser considerado uma personalidade mundial incontornável na defesa dos Oceanos.
O país não terá por certo compreendido a persistência democrática deste
homem que viu no conhecimento, na ciência e na investigação a melhor forma de
defender o seu país primeiro em período de trevas e depois em democracia tudo
fez para que os sucessivos compreendessem a valia do Mar como recurso e como
preocupação cívica.
A riqueza das experiências que parcialmente Mário Ruivo descreveu nesta
entrevista terá certamente produzido a retribuição pessoal para todo o seu trabalho
e persistência, mesmo que tenha desaparecido talvez com a sensação de que,
apesar de todo o seu esforço, o país não terá ainda abandonado a retórica do
Mar e da sua economia, não compreendendo a valia do recurso e o espaço de
investimento cívico que ele representa.
Apesar do tom impreparado com que João Almeida conduziu a entrevista, acho que
ela deveria ser considerada um material pedagógico incontornável para todos os
que aspirem a uma vida científica e profissional em torno deste Recurso.
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