domingo, 5 de fevereiro de 2017

TRUMP, A ALEMANHA E A EUROPA



(O discurso de Trump e da nova administração económica americana à medida que se concentram nos seus alvos de estimação China, Japão e agora Alemanha vão continuar a suscitar as réplicas mais contraditórias, devendo por isso ser acompanhadas com a máxima atenção …)

A teoria geral dos interesses e a explicação da sua influência na condução da política económica e da governação em geral, que muito devem a um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman, corre o risco de ser fundamentalmente revista após a tomada do poder pelo mundo dos negócios que a chegada de Trump à Casa Branca representa. A ideia de lobby está desatualizada, pois quem está no poder não precisa de lobby para defender os seus interesses.

Na semana passada, entre as inúmeras operações de elefante em loja de porcelana que podem ser associadas à nova administração americana, a Alemanha, um dos alvos de estimação, esteve sob fogo, a partir do momento em que dos apaniguados de Trump, Peter Navarro chefe do National Trade Council, veio para a praça pública com a acusação de que a Alemanha está por via do euro fraco a exportar a deflação para outros destinos. Como é evidente, a administração de Trump não pode acusar a zona euro e a Alemanha em particular de manipulador cambial, pois as condições em que se fixa a cotação do euro face ao dólar não dependem apenas da ação desenvolvida pelo BCE, havendo que ter em conta o outro lado da questão, o comportamento do dólar.

O argumentário de Navarro visa algo de mais vasto e que consiste em colocar a zona euro face a face com as suas próprias contradições, divisionistas por natureza. De facto, com ritmos de crescimento salarial francamente abaixo dos da produtividade, por isso com taxas de inflação bem mais baixas do que o esperado (o comportamento dos preços em dezembro de 2016 está por demonstrar que represente um novo ciclo inflacionário), os alemães estão a revelar um comportamento típico de desvalorização interna. Seguindo esse caminho, não só estão a obrigar os seus parceiros menos desenvolvidos da zona a processos de desvalorização interna ainda mais significativos para recuperar alguma competitividade, como estão perante todos os seus concorrentes no mundo a depreciar a sua taxa de câmbio real. A Alemanha não é propriamente um manipulador cambial típico, mas a sua anticíclica desvalorização interna tem que se lhe diga, violando até o princípio básico da União Monetária de que os défices externos de uns têm de ser compensados por excedentes de outros.

Neste contexto, tem interesse anotar como é que os alemães reagiram ao discurso ofensivo da nova administração americana. Entre todas as reações vale a pena destacar a saída angélica do sempre em foco Schäuble, quando ele diz que o euro, devido à ação do BCE, está demasiado baixo para a posição competitiva alemã, insinuando que o excedente alemão é fruto de algo que não solicitou e que por isso não pode ser injustamente acusado de o ter provocado. O cinismo de Schäuble é imbatível. Confirmando que a política do BCE não pode ser a de uma política tipo câmbios múltiplos e que o euro tem de ser gerido para o conjunto da zona euro, Schäuble oculta o outro lado da questão, que não é mais do que respeitar os princípios da união monetária e orientar a política orçamental para um maior ritmo de crescimento da procura interna.

O que isto quer significar é que o elefante Trump numa loja já em cacos coloca a nu a divisão estrutural que os alemães se recusam a enfrentar e que põe a União Europeia em difíceis condições para forjar uma posição integrada, política e económica.

Entretanto das bandas do FED nada se tem ouvido.

Cá para mim os cabelos brancos de Janet Yellen não esperariam tempos tão agitados, sobretudo determinados por questões de dentro e não de fora.

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