quinta-feira, 17 de junho de 2021

O NÓ GÓRDIO DAS EMPRESAS

 


(Não temos por hábito comentar ou reforçar os posts do nosso colega de blogue, mas de quando em vez justifica-se dar uma força a uma ideia ou comentário que foi bem esgalhado e que salienta coisas ou factos que tendem a passar despercebidos ou ser mesmo ignorados na débil e inconsequente imprensa económica nacional, comprada ou procurando desesperadamente e a todo o preço a notoriedade. Mas a importância do que foi escrito no post “O Lado das Empresas” determina que volte ao assunto.)

A análise empresarial em Portugal vive um problema terrível de focagem e de consistência de evidências, tornando difícil a elaboração de diagnósticos sérios sobre a sua capacidade de sobrevivência.

O recurso mais frequente à informação estatística INE, independentemente dos esforços que a entidade estatística tem realizado para a melhorar ao longo do tempo e que me parecem reais e efetivos, tem permitido diagnósticos que dirão alguns traduzem o estado da arte da média e dirão outros que as médias são uma abstração e que não constituem um bom suporte para a ação. Mas a incomodidade mais frequente que resulta desse tipo particular de mobilização de evidências resulta do facto dessas análises médias não nos permitirem identificar e isolar o que está efetivamente a mudar e que valeria a pena consolidar com medidas de política mais direcionadas e não de “guichet aberto”.

Por sua vez, como a metodologia dos casos tem em Portugal um subdesenvolvimento preocupante com as Business Schools a acordar tarde para essa tradição exemplar noutros países mais avançados como os EUA, destacar uma ou outra empresa conduz-nos a exercícios que não dão guarida segura à política pública.

Vive-se assim uma eterna divergência entre quem trabalha no meio e conhece por dentro o meio empresarial porque trabalha com empresas concretas e não com números ou médias e o que resulta dos estudos setoriais disponíveis. Os primeiros dirão que entre 25 a 30% das empresas em Portugal terão condições para prosperar (acaso superem os seus problemas de sucessão) e vencer os desafios da economia global e nos segundos não encontramos evidência para suportar a desejada segmentação.

Esta dissonância tem um equivalente próximo e creio que dele derivado numa outra questão que na semana passada tive a oportunidade de suscitar num webinar destinado a discutir o contributo dos Fundos Europeus para a modernização e internacionalização das empresas portuguesas. Pelas reações que tive nesse debate, sobretudo da voz autorizada do Professor João Amador do Banco de Portugal e da Nova Business School, só muito recentemente existem no Banco de Portugal microdados consistentes que nos permitam compreender que percentagem do tecido empresarial português é apoiado e com êxito por Fundos Europeus em matérias como produtividade, intensidade de inovação, internacionalização, geração de excedentes. Ou seja, salvo melhor opinião, continuamos sem compreender se os Fundos Europeus estão a disseminar inovação numa lógica de “deepening” (aprofundamento) ou de “widening” (alargamento da frente e banda de empresas que inovam). Fico algo incomodado com esta incapacidade da academia e dos serviços de estudos da administração pública para contribuírem com conhecimento informado para a política pública e as políticas de inovação e internacionalização, após dois ciclos de orientações continuadas e persistentes, necessitariam de outro suporte para prosseguir novos rumos.

Aparentemente, não nos entendemos sobre a escala de focagem do nosso tecido empresarial e perante essa indefinição os discursos contradizem-se e convidam à inércia da política pública ou à assunção de riscos despropositados.

É também uma limitação deste tipo que explica que se continue a falar, anos e anos, já sou velhinho e ouço falar sobre esta matéria desde que conheço a ensinar e a trabalhar na consultoria, sobre capitalização das empresas. O Banco de Portugal recuperou, penso que na governação de Carlos Costa, a tradição de utilização das centrais de balanços para fazer análise setorial (iniciada nos anos gloriosos do Gabinete de Estudos do Banco Português do Atlântico). O panorama da autonomia financeira das empresas portuguesas tem melhorado ligeiramente nos últimos anos (entre 2015 e 2019) mas o panorama continua ainda a revelar graves dificuldades.

Setores CAE VER 3

Percentagem de autonomia financeira 2015 (%)

Percentagem de autonomia financeira 2019 (%)

Os 2 setores com maior autonomia financeira

Atividades de consultoria, científicas, técnicas e outras

47,3

52,8

Atvidades extrativas

49,2

48,8

Os 2 setores com menor autonomia financeira

Transportes e armazenagem

18,3

23,4

Atividades de informação e comunicação

18,4

15,6

Outros setores

Indústria transformadora

41,0

42,5

Atividades imobiliárias

31,3

36,6

 Fonte: Banco de Portugal - https://bpstat.bportugal.pt/conteudos/quadros/1212

Poderá perguntar-se se será desta que a capitalização das empresas vai ser objeto de intervenção consequente? Ou a chamada falta de capital está de novo a assustar a política pública?

Poderei estar a exagerar, mas continuamos com imagem desfocada sobre o tecido empresarial, modas, médias ou campeões parecem não representar as escalas de abordagem que a política pública necessita. E, como o meu colega de blogue o assinalou, se juntarmos a isto os problemas da gestão e da sucessão de muita e boa capacidade empresarial que por aí existe, há aqui matéria fundamental para um novo ciclo de política de apoio às empresas. E como está a começar, aliás atrasado, um novo período de programação sugerir não ofende…



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