terça-feira, 29 de junho de 2021

MELÃO OU MELANCIA?

 



(Na noite do passado domingo, deparei-me com duas derrotas de sinal contrário, uma das quais poderá ser descrita pela metáfora do melão, a derrota da seleção, e uma outra que à falta de melhor metáfora uso a da melancia, correspondente à derrota da extrema-direita francesa de Marine Le Pen mas também do movimento de Macron, na segunda volta das eleições regionais francesas. É sobre estas duas metáforas que hoje escrevo, já com a distância de um dia para aclarar espírito e atenuar sensações a quente.)

O melão com a derrota da seleção gerou-me alguma tristeza, não só porque aquela segunda parte talvez justificasse melhor resultado, mas sobretudo porque a história do “nosso fadinho” é recorrente. Empolámos excessivamente os desafios sempre com o fito de sobrevalorizar as vitórias mas quando dá para o torto e os deuses não nos acompanham a deceção instala-se na medida inversa da sobrevalorização do desafio. Sempre foi assim numa espécie de dificuldade de lidar com a nossa dimensão real, muito típico numa nação que já foi colonial e que a história foi atraiçoando e devolvendo às suas entranhas. E é aqui que eu acho que o Fernando Santos corporiza numa luva esta representação. Ele é o exemplo da reatividade quando acossado e praticamente inexistente na proatividade. Ora isto não é a expressão total do nosso comportamento histórico?

Não lembraria ao diabo começar o jogo com a Hungria com dois homens de contenção no meio-campo, Danilo e William e só a partir daí reagimos e fizemos entrar os fatores dinâmicos Renato Sanches e João Palhinha. Fomos positivamente cilindrados pelo rolo compressor daquele defesa esquerdo alemão Gosens e depois empurramos os franceses para uma espécie de “entente cordiale” de última hora. Repetimos a proeza com a Bélgica, reagimos, mas uma segunda parte plena de dinâmica e movimentação não chegou para a eficácia desejada.

A seleção está perante uma transição delicada, que é etária, tanto mais dificultada quanto mais os mais velhos (Pepe, Ronaldo, João Moutinho) têm feito tudo positivamente para complicar a transição, sobretudo os dois primeiros, com desempenhos físicos notáveis e só ao alcance de alguns eleitos. Mas como já disse aqui o País e a Seleção precisam de começar a fazer o desmame do efeito adictivo Ronaldo no jogo e na nossa projeção internacional. Pena foi que o recorde dos golos na seleção não tivesse sido agora superado, porque isso facilitaria a transição e o desmame.

Há material humano que baste para o rejuvenescimento mesclado da seleção, oxalá os jovens já presentes no radar de Fernando Santos e os que aguardam nas seleções mais jovens e nos seus clubes, seja lá fora ou cá dentro, encontrem espaços e oportunidades de experimentação para estar prontos para o desafio. Talvez falte um companheiro no centro da defesa para Rúben Dias, mas pelos restantes lugares o capital é riquíssimo.

A eterna interrogação será decidir se o timoneiro deve encaixar nas profundas raízes do nosso atavismo (no estilo competente e reativo de Fernando Santos) ou se é tempo para combater esse atavismo e abanar a inércia, e não vou mencionar nenhum nome para essa ambição, já que estou por estes tempos algo suspenso sobre o que valerá Mourinho nos próximos tempos.

Há melões saborosos e também isso pode acontecer com esta seleção.

Quanto à outra derrota ela foi saborosa, Marine Le Pen foi de novo derrotada e parecer dar sinais de exaustão, mas se a projetarmos no futuro acontece como aquelas melancias de um vermelho esplendoroso mas que de saborosas têm muito pouco. Senão vejamos.

Numas eleições em que estava em causa a barragem da extrema-direita ameaçadora em França e em que vários “rassemblements” foram concretizados para proporcionar essa barragem, a taxa de participação eleitoral foi ridícula. O que não deixa de ser um sinal sobre o valor que os franceses atribuem à questão regional. Se tivermos em conta que o movimento de Macron também sofreu uma derrota das antigas, então a conclusão a retirar é que as forças políticas mais tradicionais se aguentaram e contiveram seja a novidade ameaçadora, seja a novidade que apontava para mais e que parece ter Macron enredado nas suas próprias contradições. A velha democracia parece ter funcionado e quer que se queira quer não os dados estão lançados para as Presidenciais com contornos que pareciam inverosímeis há poucos meses.

Vários cenários se colocam para o futuro político da França. Ou esta baixa taxa de participação pode ser fortemente diminuída com o embate mais mediático das Presidenciais que suplantarão obviamente o marasmo regional, que deriva em parte do modelo nem carne nem peixe do regionalismo francês. Ou então a baixa taxa de participação traduz uma anomia das valentes que nem sequer o populismo de Le Pen, nem a contraditória ousadia de Macron conseguem minorar. Tudo parece órfão, particularmente à esquerda, de tempos idos e de personalidades irrepetíveis, parecendo que apenas a direita mais tradicional dá sinais de vida. Mesmo os Verdes que tiveram nas municipais de 2020 um ressurgimento promissor parecem ter essa evolução estancada, seguindo aliás o padrão alemão em que essa formação política, depois de emergir como sendo alternativa à sucessão entre muros de Merkel, parece ter estancado a sua evolução.

Tempos incertos estes, também no reordenamento das forças políticas.

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