(Também eu, como o meu colega de blogue, vivi petrificadamente a passagem de Christian Eriksen para o lado de lá e o seu regresso, depois daquela sequência temporal que pareceu eterna mas que foi crucial, 20 segundos para a chegada do primeiro médico, 22 segundos para o segundo e um minuto e picos para a entrada em cena do desfibrilhador. O circo do futebol sobrepõe-se frequentemente à fragilidade humana dos seus atletas, desta vez parece que a vida foi salva e tudo o que menos interessa é o circo em si e o resultado da partida. Como dizia alguém na imprensa portuguesa acabou por ser paradoxalmente uma invasão inadmissível da privacidade do atleta que nos permitiu acalentar a ideia de que o Eriksen estava vivo.)
Dá gosto ver como a tribo dinamarquesa do futebol vive no campo a sua seleção. Ninguém imaginaria que um atleta de eleição, Christian Eriksen, de uma sobriedade exemplar, com um sentido posicional único e uma dedicação ao jogo que até cansa, seria pela incontornável fragilidade da vida humana obrigado a tocar uma bola que lhe era dirigida da linha lateral por um colega já inanimado e em queda. Como sempre acontece nestes acontecimentos é um colega próximo que se dá conta do que está a acontecer e desencadeia a sequência de procedimentos que pode salvar uma vida. 20 e 22 segundos até à chegada dos médicos dinamarqueses e um minuto e picos do desfibrilhador que terá conseguido a reanimação ainda no estádio.
A espantosa imagem de toda uma equipa protegendo a privacidade da luta sem quartel do colega com a morte é uma bela metáfora dos tempos comunicacionais de hoje, com as lágrimas de um destroçado Delaney, o sentido de liderança e de corpo de Kasper Schmaichel e de Kyer a destacarem-se de toda a aquela dança macabra.
Pode questionar-se se a mais elementar ética de respeito pelo drama de Eriksen não teria justificado o adiamento do jogo com os jogadores dinamarqueses a terem de jogar a mais dramática das segundas partes da sua vida, como se as sus próprias vidas entrassem num novo ciclo após a revelação da sua fragilidade. Vá lá saber-se se as palavras atribuídas ao próprio Eriksen e dirigidas aos seus colegas terão estimulado a aceitação do recomeço do jogo. Bem poderia tratar-se de uma saída oportunista de um burocrata qualquer da UEFA mais interessado na dinâmica do circo do que na saúde dos seus atletas.
Por mais historicamente excecional que a vitória da Finlândia tenha soado, estou convicto que esta será a menos saborosa vitória que os atletas finlandeses irão algum dia comemorar.
Porque a verdadeira vitória é a vitória da vida de Eriksen, qualquer que venha a ser o seu relacionamento futuro com o futebol.
Sem comentários:
Enviar um comentário