(Lassidão - litografia de Helena Abreu)
(Vivemos uma situação política estranha, contraditoriamente definida por elementos de polarização e de lassidão, os primeiros envolvendo o relacionamento entre as forças políticas em presença e os segundos corroendo o PS em diferentes manifestações. Romper com este estranho estado das coisas está a revelar-se cada vez mais difícil, já que o choque entre a polarização e a lassidão nos conduz a uma indeterminação política totalmente desfocada do momento em que nos encontramos, recuperação económica de uma pandemia que não acabou, início de um novo período de programação de fundos europeus e recursos que baste do PRR.)
Comecemos pelo principal partido da oposição. Nele assistimos a coisas do arco da velha, que não sabemos bem se são devidas a simples questões de poder interno se a uma razão mais ampla relacionada com o “take over” mais ou menos hostil que uma certa direita gostaria de praticar sobre o PSD. Mas talvez a mais estranha variante do momento é a existência de um líder que sempre gostou de se afirmar não populista e com grande sentido de Estado e que não obstante entra pelos domínios do populismo mais boçal, com Ventura a morder-lhe forte os calcanhares. Com esta estranha forma de vida, Rio tem eclipsado algumas das vozes do seu círculo político que, não sendo propriamente brilhantes, tinham pelo menos alguma coisa para dizer, como o seu Ministro sombra das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento para a área da economia e Nuno Morais Sarmento para a área da política propriamente dita. Porque retirando esses nomes e percebendo-se que David Justino se remete já para um outro nível, da entourage mais próxima de Rio é melhor que estejam calados, porque sempre que abrem a boca sai asneira. Não sou adivinho para sequer imaginar o que vai ser o resultado eleitoral autárquico do PSD, até porque os movimentos mais ou menos ocultos dos trânsfugas à direita vão ser expressivos e o PS tem os seus próprios rabos de palha não resolvidos. Por vezes, Rio dá a impressão de querer fazer pior para se ver livre de tudo isto, como por exemplo ir ao MEL afirmar que se o PS quisesse as coisas seriam diferentes, outras vezes acerta e retoma a pose de Estado, numa confusão que deve deixar os candidatos ao “take-over” atrás citados furibundos.
Em termos de polarização, Chega e PAN esticam a corda, forçando a barra de que a governação pode passar por ali e perante o ar pífio daquela gente e da estética das suas reuniões tenho arrepios por todo o corpo que me levam a ir, por precaução, ir tirar a temperatura com aqueles irritantes termómetros digitais que variam à escala do segundo. Das últimas incursões e mudanças do PAN percebe-se que continua a haver em Portugal um vasto espaço político para um partido verdadeiramente ecologista que considero não estar preenchido, o que diz bem da menoridade da nossa classe política.
Do PCP e do Bloco de Esquerda hoje não falarei de modo aprofundado, embora se comece a perceber que o primeiro estará mais voltado para uma atitude de condicionamento do governo PS do que propriamente para intervir diretamente na governação e o segundo oscile cada vez mais na tensão conhecida de espreitar a governação ou de se arvorar como crítico feroz da mesma.
Mas é no PS que a lassidão predomina. Bem sei que governar gerindo uma pandemia e com parceiros europeus que não são propriamente parceiros fiáveis provoca uma erosão política incalculável. Ontem, a patética posição de Ana Catarina Mendes no Circulatura do Quadrado (onde eu acho que globalmente tem estado bem) é bem reveladora dos tempos em que o PS está mergulhado.
Comecemos pela também patética confusão que as eleições para a Câmara Municipal do Porto fizeram mergulhar o partido, onde já não há pachorra para aturar as pequenas guerras entre concelhias, distritais e federações, questão que se estende a uma governação metropolitana que deixa muito a desejar. Nos últimos tempos e apesar das newsletters de Pizarro e ideias soltas de alguns membros do partido a norte, não se apanha uma ideia estratégica para a Cidade e para a aglomeração metropolitana. Já tinha percebido que, na sequência de algumas mudanças e aberturas de lugares em torno de instituições como a CCDR Norte ou a gestão dos fundos europeus na região, as movimentações observadas de alguns dos pesos pesados do PS na região alertaram-me para o muito pouco que poderia esperar em termos de ideias estratégicas de tais personalidades. A confusão em torno, primeiro, do posicionamento político face a Rui Moreira e, segundo, em torno da personalidade para o materializar mostra bem a descida de nível a que o Porto socialista se tem submetido. Começo a perceber a ideia dos “índios lá de cima” que por vezes circula nos corredores do poder em Lisboa.
A lassidão (a gastronomia usa um termo que também poderia aqui aplicar-se, destalhar) manifesta-se também no aparente estreitamento dos círculos de recrutamento de alguns lugares. É evidente que, por exemplo, a indicação de Ana Paula Vitorino para um cargo de regulação na área dos transportes ou é pirraça política, que a verificar-se teria dificuldade em explicar, ou é pura perda de sentido de oportunidade. Não se discute capacidade técnica, mas alguém tem dúvida de se tratar de uma personalidade de forte pendor político e por isso aparentemente incompatível com um lugar de regulação? Mas mesmo do ponto de vista da competência política a passagem de APV pela área dos portos se não foi um desastre andou lá por perto.
O outro tema político de momento, a comemoração dos 50 anos do 25 abril, espelha também perfeitamente o “estado da nação” em termos do tempo político que vivemos. Não gostaria de ter visto o nome e a personalidade de Pedro Adão e Silva mergulhado nesta algazarra de prós e contras sobre os 50 anos de Abril. Teria sido bem melhor que o governo apresentasse o seu modelo de comemoração e o tivesse discutido com as forças parlamentares e político quadro tivesse proposto o nome de PAS. Teria sido uma abordagem que permitiria marcar o essencial, utilizar a data para marcar as linhas de defesa da democracia e projetar na natureza contraditória do 25 de abril os principais desafios políticos, económicos e sociais que temos pela frente. Indo por este caminho, as coisas começam mal, a polarização instala-se, as minudências e as pequenas invejas sobrepõem-se. Eu bem sei que o eleito Pedro surfa bem e tem o nome ISCTE a protegê-lo, mas há mares e mares e este vai ser bem encapelado e não havia necessidade.
Estamos naqueles momentos que não são de fim de ciclo mas que projetam no ar sensações políticas estranhas, que caracterizei pelo confronto entre polarização e lassidão, não sei se com perfeição ou se precisa de novos cambiantes. Talvez seja daquelas construções que teremos de fazer paulatinamente à medida que novos elementos se acrescentem aos diferentes planos. Para posts futuros.
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