(Raquel Marín - El País)
(O Diretor do Público tem hoje um artigo corajoso sobre os indultos na Catalunha que vai na linha de argumentação que eu próprio tinha começado a delinear em post anterior sobre o assunto. Tal como então o assinalei, cheguei a essa argumentação não por ser um entusiasta do independentismo catalão, antes pelo contrário, detesto-o devido às suas contradições, mas antes como resultado de uma análise política objetiva. Sánchez pode estar a dar um passo para o cadafalso, a direita espanhola vai abespinhar-se, embora a última manifestação da Plaza Colón tenha ficado muito aquém da primeira, mas a pergunta certa e esclarecedora é: mas qual é a alternativa?.)
A judicialização/penalização dos protagonistas do Procés foi um passo não direi totalmente em falso, a prova é de que se fala hoje de indultos e não de amnistia, mas uma solução demasiado fácil, porque não política, para dar uma resposta à indignação da grande maioria dos espanhóis pelo insulto que o supremacismo catalão representou.
Manuel Carvalho está sabiamente certo quando sublinha que a política espanhola está minada pelo cancro indesejável da ausência de espaço de compromisso. É essa ausência que está por detrás da crispação, polarização e de toda a série de conflitos que têm dominado a política espanhola nos últimos tempos, para frustração dos espanhóis construtivos e gáudio seja da direita Voxiana seja dos independentistas que gostariam de ver o Estado espanhol desfazer-se como baralho de cartas. É também verdade que foi o mau cálculo dos independentistas, que esperariam ver a sua ousadia louvada em círculos internacionais e nacionais muito mais amplos do que conseguiram alcançar, que precipitou essa perda do espaço de compromisso.
Curiosamente, através de linhas diferentes de argumentação das que Manuel Carvalho utilizou no seu sábio e corajoso editorial, o El País publica hoje um artigo de dois catedráticos de direito e um advogado que vai à história buscar raízes para defender a oportunidade dos indultos.
As figuras invocadas no artigo do El País, “Azaña y Ortega indultarían a los sediciosos” (link aqui) são obviamente Ortega y Gasset e Manuel Azaña e o contexto político da época é a discussão parlamentar do Estatuto da Catalunha em 1932. Convém recordar que Manuel Azaña tinha sido vítima de uma claríssima deslealdade do nacionalismo catalão, mas ambas as personalidades convergiam de que a aprovação do Estatuto era um ato de boa governação, porque baseado na tentativa de repor a confiança. O ambiente global era também na época de profunda reação à autonomia catalã, com campanhas até para marginalizar aos produtos catalães. Quanto a Ortega y Gasset é célebre a frase de que o problema catalão “é um problema perpétuo que não se resolve e que simplesmente se carrega”.
O artigo dos três juristas incide sobretudo sobre os três falsos argumentos que estão na base da violenta reação que os indultos estão a gerar: (i) não há quebra de constitucionalidade, sobretudo a partir do momento em que o artigo 155º foi aplicado; (ii) a ideia de que o indulto é uma condição para que Sánchez possa manter-se no poder é errada, já que é no Congresso de Deputados que o apoio ao Governo se define; (iii) a pretensa ilegalidade do indulto dada a manifesta falta de arrependimento dos visados parece que juridicamente não é convincente, já que a decisão final não cabe à secção penal do Supremo Tribunal.
Ou seja, mais do que uma questão jurídica é de uma questão objetivamente política que estamos a falar. Não sei se a inteligência de Ortega y Gasset é suficiente profunda para ter razão noventa anos depois, o que nos diria que o indulto é uma forma de continuar a carregar o problema catalão sem o resolver mas também sem o partir, recuperando espaços de compromisso. É preciso conhecer-se profundamente por dentro a questão catalã e vivê-la presencialmente para detetar diferenças invisíveis a olho nu entre a Generalitat que está no poder e a presidida por Quim Torra. A partir de Portugal essas diferenças microscópicas são invisíveis e não acalento por aí muita esperança.
Mas não basta este ato de tentativa de reposição do espaço de compromisso. Importa sobretudo saber o que é que o PSOE e Pedro Sánchez têm para apresentar nos futuros encontros com Pepe Aragonès, o novo líder da Generalitat. E se é verdade que é bom que as decisões políticas dos partidos catalães sejam tomadas por líderes em liberdade e não na prisão pelo crime de sedição, como o dizia o incontornável Juan Luís Cebrián há dias, interessa perceber com que posicionamento Sánchez vai reiniciar tudo de novo e aguentar os eternos comportamentos de guerrilha do independentismo. Tenho sérias dúvidas de que as partes estejam de boa fé, apesar da nova respiração que os indultos irão proporcionar.
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