(E lá se foi o Mare of Easttown, nas proximidades ou subúrbios de Filadélfia, Pensilvânia, USA. Estava com a curiosidade típica do final que não se antecipa, embora ninguém resista à sua própria representação. As expectativas foram cumpridas, o finale é de facto um equilíbrio de redenção naquela comunidade em que tudo parece poder regressar ao sentido de convivência e partilha, apesar do assassínio da jovem Erin ser finalmente atribuído ao jovem Ryan Ross que enfrenta em desespero Erin com uma velha arma do exército guardada numa arrecadação de jardim para tentar salvar a unidade da sua família.)
A recuperação do sentido de comunidade marca o último episódio. O jovem Ryan Ross acaba num centro de detenção juvenil para recuperação e expiação de um ato irrefletido para salvar o casamento dos pais. O padre com um passado menos claro do ponto de vista sexual regressa e enfrenta a sua comunidade com um discurso inclusivo apelando para que os que se afastaram atingidos pelos acontecimentos não sejam marginalizados pelos outros membros da comunidade. Siobhan, filha de Mare, inicia um dos processos mais comuns na sociedade americana, a busca numa Faculdade longe do seu território (neste caso na Califórnia) de uma saída do seu pequeno mundo. Concretiza-se o segundo casamento de Frank, o ex de Mare, com uma deliciosa conversa em família sobre o tipo de fato que pretende para o casamento. A integração de Katie Bailey, uma das jovens desaparecidas e raptadas e encontrada por Mare parece concretizar-se depois de um período traumático de adaptação e segundo se percebe com uma oferta da comunidade para a sua completa reintegração. Dylan, o jovem companheiro de Erin, visita Lor a nova mãe adotiva do miúdo D.J. e num súbito arrependimento interessa-se pela saúde do miúdo e devolve o dinheiro que Erin tinha recolhido para a intervenção cirúrgica. E, finalmente, em algo que também é bastante comum na sociedade americana, Richard Ryan, o escritor de um único livro e professor de liceu e companheiro episódico e acidental de Mare, zarpa para mais um contrato de um ano.
Em todo este pelo menos aparente regresso da comunidade paira a própria Mare que se encontra finalmente com o passado traumático do suicídio do seu filho Kevin, mas apenas depois do reencontro com a sua amiga de sempre Lor, mãe do acusado Ryan. A cena do regresso à amizade entre Mare e Lor na cozinha desta última é uma notável cena “pietática”, que só duas mulheres podiam protagonizar com aquela sublime intensidade de Lor aconchega no regaço da Detetive Mare. É verdade que Mare no fim consegue finalmente regressar ao velho sótão em que Kevin se enforcou, mas para mim o finale efetivo é o reencontro entre as duas amigas. Não sabemos se a efeméride comemorada pela comunidade em torno do dia da vitória do basquetebol feminino voltará ou não a acontecer. Tudo indica que sim atendendo à reposição de sentido a que vamos assistindo ao longo de todo o episódio final, apesar da tragédia da descoberta de Mare. Mas o reencontro de Mare e Lor, naquela trágica coincidência de amizade profunda entre a Detetive que descobre o culpado e a Mãe que vê destruído o encobrimento do ato irrefletido do seu filho é um momento raro de televisão.
A imagem de Kate Winslet que abre este post, com os seus belos cabelos ruivos em sintonia com o pelo do seu cão, escolhia-a deliberadamente para percebermos o esforço notável de construção da personagem e a profunda identificação com a mesma que o talento de Kate conseguiu atingir. Mare é um rosto sem filtros e pelo que pude perceber numa crónica -entrevista da excelente Maureen Dowd no New York Times (link aqui) a composição da personagem é um mergulho só acessível às grandes atrizes, que envolveu por exemplo pormenores de identificação com o tipo de vestuário usado diariamente pela Detetive. Como a perspicaz Emily Yahr o assinala no Washington Post (link aqui), nem sempre as comunidades lidam com a perda e a morte com amor, compreensão e misericórdia.
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