(O mundo das empresas e dos negócios pode ser uma chatice e uma melada sensaboria para quem teima permanecer dentro da caixa e não questionar as regras do jogo. Mas sou dos que penso que pode ser algo de muito diferente, sobretudo para aqueles que se atrevem a pensar fora dessa mesma caixa, ganhando muito ou pouco dinheiro, isso pouco importa. Já sabem que não sou propriamente imparcial quanto à figura e ao que a jornalista Gillian Tett escreve, mas estou convencido que a sua última obra poderá convencer muitos mais.)
Pode o leitor mais empedernido e resistente ao estranho perguntar o que é que uma antropóloga, com trabalho de terreno para o seu doutoramento feito no Tajiquistão sobre rituais de casamento, faz no Financial Times e no mundo dos negócios?
A própria Gillian Tett explica-nos que “a antropologia é um quadro intelectual que nos permite ver para lá das esquinas, identificar o que está escondido à vista desarmada, ganhar empatia para com os outros e refrescar a nossa perspetiva sobre os problemas. Este quadro é agora cada vez mais necessário quando lutamos contra a mudança climática, a pandemia, o racismo, a loucura das redes sociais, a inteligência artificial, a perturbação financeira e os conflitos políticos”.
Depois do “Efeito Silo” que marcou o tom, esta nova Antro-Visão para entender o mundo dos negócios de hoje vem confirmar aquela minha intuição de que o universo dos negócios é tão mais interessante ou sensaborão quanto mais os criativos ou agentes passivos dominarem esse mesmo universo. Gillian Tett dá-nos conta e pratica a perversidade antropológica de “tornar o estranho familiar e o familiar estranho”. E fá-lo seguindo a orientação de quem foi ao terreno estudar rituais de casamentos, ou seja estudando problemas concretos, particularmente os mais estranhos e intrigantes do ponto de vista da sua explicação, questionando as premissas mais generalizadamente aceites. E, numa lógica que também a economia do desenvolvimento aprecia cada vez mais, estas transições (não as do futebol de que por estes tempos toda a gente fala), mas as do estranho para o familiar e do familiar para o estranho, isso permite comparações contextualizadas entre mundos tão diversos que, em tempos idos, eram vistos do ponto de vista científico como estanques e incomunicáveis. Como não podia deixar de ser o trumpismo com ou sem Trump entra na equação.
Gillian Tett acaba a obra com uma mensagem simultaneamente de esperança e de mudança: “Mas muito mais pode e deve ser feito mobilizando perspetivas da antropologia, etnografia, sociologia e outras ciências sociais para o mainstream, combinando análises qualitativas e quantitativas. Uma mensagem chave deste livro é de que mais do que nunca é tempo de dar o lugar à perspetiva das disciplinas. O mundo pode não estar pronto para ouvir o que os antropólogos têm para dizer: as suas mensagens e o seu o modo de ver o mundo tornam muitas vezes as pessoas desconfortáveis. Mas essa é precisamente a razão pela qual as mensagens da antropologia precisam de ser escutadas. Espero que este livro ajude.”
Na entrevista que concedeu à Mc Kinsey sobre o seu livro (link aqui), Gillian Tett estende esta perspetiva esperançosa e de mudança à compreensão da pandemia, sublinhando que a importância da medicina e da ciência não pode deixar de ser contextualizada social e cultural para antecipar o modo como as pessoas reagirão aos incentivos da algazarra comunicacional em que as orientações para a população se transformaram. E como têm mudado e sido contraditórias essas mensagens! Que a antropologia e as ciências sociais nos valham para que o esforço notável da ciência e da medicina não sejam em vão.
Nota final:
Este post é também uma oportunidade de mandar um abraço solidário ao meu Amigo e Colega José Portugal na Quaternaire, antropólogo, com o qual já troquei algumas impressões sobre esta abordagem, que vive preocupações de saúde na sua família mais chegada.
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