(Neste blogue o estudo do modo como o poder de influência dos economistas sobre a decisão política tem evoluído tem sido um tema recorrente. O tema é de grande relevância, sobretudo por duas razões. Por um lado, dá para seguir o modo como o pensamento económico se manifesta, dissemina e afirma. Por outro lado, dá também para compreender como os processos de tomada de decisão política têm eles próprios evoluído. E há que reconhecer que há períodos-chave para o assunto ser estudado com alguma profundidade. Penso que estamos num desses períodos. Ele corresponde à questão hoje central de saber se os estímulos económicos exigidos pela pandemia podem ou não provocar tensões inflacionárias e em conformidade suscitarem ou não o travão à onda de estímulos fiscais e de investimento que as economias avançadas decidiram e bem promover.)
Repetidas vezes desenvolvi neste espaço a ideia de que o poder de convencimento do pensamento económico e dos economistas já viveu melhores dias. Causas diversas explicam essa perda de impacto. A progressão em torre de marfim do mainstream económico, submetendo a realidade aos pressupostos da modelização e não o contrário e os erros de compreensão da crise de 2008 no capitalismo ocidental são erros próprios que acantonaram os macroeconomistas a um paraíso de irrelevância. Mas há também a deriva populista da marginalização das elites, que colocou por tabela também os economistas na prateleira das elites irrelevantes. A questão é mais complexa do que este simples enunciado. A razão é simples. Os dois “erros” podem potenciar-se reciprocamente e penso que foi assim que sucedeu.
Como referi na nota introdutória, há períodos particulares em que as condições para uma maior influência dos (macro) economistas parecem recuperar o fôlego. Isso geralmente acontece quando está prestes a acontecer uma mudança de intensidade de intervenção pública na economia ou pelo menos se discute essa possibilidade. Regra geral, nesses períodos volta a ser possível avaliar até que ponto o poder de influência se perdeu.
Em meu entender, estamos claramente num desses períodos. Largamente influenciado pela magnitude algo inesperada do pacote de estímulos económico apresentado pelo Presidente Biden, discute-se hoje acesamente se é altura de fazer parar os estímulos fiscais e de investimento à economia. As razões são recorrentemente as mesmas de outras épocas, os riscos inflacionários.
Tudo parece indicar, e a economia americana parece melhor do que outra ilustrar essa evidência, que as tensões inflacionárias existentes são temporárias. Têm origem em estrangulamentos de oferta que se explicam pela paragem das economias a que o confinamento obrigou que o mais provável é serem resolvidos à medida que a recuperação da economia se intensificar.
Mas a economia americana é hoje um caso flagrante, como Krugman o assinala no New York Times internacional deste fim de semana, de desvio acentuado entre o que pensa a população sobre o estado da economia e o estado real dos indicadores que medem esse estado da arte. O fenómeno tem uma explicação política. A população americana de orientação Republicana continua a viver numa não-realidade e por isso a sua perceção do estado da economia americana continua a estar refém do seu desejo negacionista de ignorar a vitória de Biden e com isso da vontade de desvalorizar qualquer resultado económico anunciado pela nova Administração.
Um caso de estudo sobre o poder de influência dos economistas é o que podemos encontrar no protagonismo mediático de Lawrence Summers. Não se trata de uma personagem qualquer. Summers é um reputado macroeconomista responsável nos anos 90 por um dos mais influentes artigos sobre crescimento económico alguma vez escritos (publicado conjuntamente com Brad DeLong, versando sobre o papel do investimento em equipamento no crescimento económico e sobre as diferentes condições de preços relativos do capital a que se investe consoante o estádio de desenvolvimento do país. Nos tempos mais recentes, a ele se deve também a sua cruzada em torno do conceito de Estagnação Secular (Secular Stagnation). Summers foi Economista chefe do Banco Mundial para a área do desenvolvimento económico, “ministro das Finanças” (Secretary of Treasury) do governo de Clinton (1999-2001), Presidente do Council of Economic Advisors de Obama (2009-2011) e Charles W. Eliot University Professor e Presidente Emérito da Universidade de Harvard.
Summers é acusado de ter sido o responsável pelo facto do programa de estímulos económicos de Obama após a crise de 2008 não ter sido suficientemente convincente, questão que o próprio Summers já em parte aceitou, afirmando que com o conhecimento de hoje teria dado anuência a um programa mais amplo generoso. Ora, apesar disso, Summers tem sido das vozes mais críticas com alertas para o risco do pacote de estímulos de Biden ser excessivo em demasia com argumentos para mim pouco convincentes sobre os riscos inflacionários de tal programa. O meu post de ontem evidenciou bem que as duas frentes em que Biden se movimenta, o estado interno da sociedade americana e a necessidade de repor a influência americana no exterior, são de tal maneira gigantescas que em meu entender o pacote de estímulos é o adequado.
Mas o meu ponto não é a discussão dos seus argumentos. O meu ponto é a evidência do impacto que o seu poder de influência sobre os media apresenta. Neste momento, o pensamento económico que domina a administração de Biden não é favorável ao argumento de Summers. Apesar disso, o poder de influência das ideias de Summers vai medir-se pelo pingue-pongue que se espera venha a desenvolver-se entre o sentido da decisão da administração de Biden e o comportamento do FED, parecendo que este último aponta para a subida de taxas de juro em fins de 2023.
Não vou fazer prognósticos. Nestas matérias, há um princípio
que para mim é indiscutível: é sempre mais fácil corrigir uma tensão
inflacionária do que um surto depressivo causado por uma intervenção restritiva
antes do tempo provocada pelas autoridades monetárias. Mas esse princípio não
obsta a que reconheça a ideia que representava o principal objetivo deste post.
Os macroeconomistas perderam peso e influência. Mas alguns conservam esse poder
de influência mesmo que navegando contra a corrente. Jeanna Smialek na edição do NYT internacional é suficientemente perspicaz para compreender essa influência (link aqui).
Sem comentários:
Enviar um comentário