segunda-feira, 28 de junho de 2021

SINAIS VINDOS DE UMA ORGANIZAÇÃO MUITO PARTICULAR

 


(Tal como o tenho sistematicamente reiterado., o espaço deste blogue não prossegue qualquer agenda em particular, a não ser o da defesa dos valores e princípios consagrados no seu “estatuto editorial”, acaso possa chamar-se assim, pois acaba por ser mais um repositório das influências que conduziram à sua publicação há já uns anitos e que nos têm dado bastante gozo. Assim só muito raramente reproduzimos neste espaço tomadas de posição de outros, pessoas ou coletivos, e quando o fazemos não se trata de responder a qualquer pedido dos próprios, mas tão só porque tais pronunciamentos correspondem a perspetivas que nos são caras e que julgamos relevante discutir amplificando a sua ressonância nas margens da modéstia de notoriedade que este espaço tem. É este o caso do pronunciamento de três personalidades do Porto que muito prezo, Francisco Carvalho Guerra, Alberto Castro e José Fernando Pinto dos Santos e o tema é a Universidade Católica, mais propriamente do Centro Regional do Porto.)

Não posso dizer que vista plenamente a “camisola” da Católica (Centro Regional do Porto), mas tenho relações de amizade com algumas das suas personalidades mais proeminentes e tenho muito boas recordações dos anos em que, no âmbito de uma colaboração da Faculdade de Economia do Porto (a minha Escola) com o Centro Regional do Porto, lá dei aulas, assumindo a disciplina de Economia do Desenvolvimento na licenciatura em Economia e onde privei com magníficos estudantes. Para além disso, por convite do futuramente Reitor do Centro Regional, Professor Joaquim Azevedo, realizei dois exercícios de planeamento estratégico para o Centro Regional que me permitiram mergulhar naquele universo com os seus conflitos e tendências (curiosamente antes e depois dos acontecimentos internos que viriam abalar a Escola Superior de Biotecnologia, que emergiu como uma jóia da coroa que se desvalorizara entretanto por questões que não interessa agora aprofundar). Recordo-me que gostei imenso de conversas com o grupo da Ética e Bioética e mesmo do grupo de Teologia (em que o pensamento do Bispo do Porto estava ainda muito vivo), para não falar da competência que encontrei no grupo de Direito, nas Ciências da Educação, na aventura que era a Escola das Artes e nos jovens mais promissores do grupo de Economia, com destaque para quem conhecia mais de perto como a Leonor Sopas, o Leonardo Costa e o Américo Mendes.

Mas talvez a referência que me deixou mais marcas, foi a afirmação do próprio Joaquim Azevedo que me fez transmitir que um dos seus grandes investimentos de tempo e de firmeza de testemunho era convencer muitas das figuras da Igreja, bispos e padres, que a Católica do Porto tinha pensamento, oferta educativa e de formação e capacidade de prestação de serviço relevantes para oferecer à Igreja e às suas tarefas. Recordo-me que aquela afirmação mexeu então comigo, porque nem por sombras o tinha admitido e percebi que a perceção da Igreja mais de base era a de aquele universo se destinava a alguns e não ao conjunto maioritário dos católicos sob a sua “guarda”. Sabia de que alguma da juventude que escolhia a Católica para a sua formação o fazia pelas redes de relacionamento que proporcionava, mas o contacto que tinha com os alunos que tinham a disciplina de Desenvolvimento dizia-me outra coisa e revelava-me gente com preocupações e consciência social elevadas, que me pareciam de acordo com o magistério daquela Escola.

Desde os tempos em que perdi o contacto com o Centro e com a sua atividade, fui-me apercebendo que o seu papel no Sistema de Universidades da Região Norte oscilava em medida paralela ao papel que o Centro Regional do Porto desempenhava ou que lhe permitiam que desempenhasse na estrutura global da Universidade Católica Portuguesa. O que não era novidade para mim, já que o universo das Igrejas é complexo e a velha questão do centralismo versus descentralização está vivo nas suas entranhas. Como os signatários do documento que reproduzo neste post o assinalam, só uma comunicação social fiel aos seus senhores é que consegue instalar a ideia de que hierarquicamente a diocese de Lisboa tem ascendência sobre o País.

O tema que serve de base ao testemunho que aqui reproduzo é aquilo que poderia designar de uma profundamente ilustrativa “(des)elegância digital”. Os domínios de e-mail dos protagonistas do Centro Regional do Porto deixaram de poder ser apresentados como “x@porto.ucp.pt” para passar a ter de assumir a forma do “x@ucp.pt”. Dirão alguns que se trata de minudência digital. Neste caso, porém, estou mais alinhado com os signatários deste testemunho. Não poderei dizer que “o diabo está nos pormenores” porque o contexto donde o assunto brota assim o não recomenda. Curiosamente, os autores invocam um contraponto que fez história nos conturbados tempos da afirmação democrática em Portugal para descrever o que está aqui em jogo: unidade versus unicidade. E ainda dizem que a história recente não é rica!

Estou com os signatários e até deixo a interrogação que eles colocam para afirmar que, sim, se trata de sinais dos tempos. Há uma grande incapacidade de perceber que se pode ser cosmopolita e ter uma visão do País e para o País a partir do Porto e do Norte e que a negação dessa evidência é um poderoso custo de contexto. Bem sei que por cá por cima evoluem por aí “alguns índios” (assim “carinhosamente” chamados por alguma classe política lisboeta) que, longe de cumprirem aquela máxima de que “não se deixam governar” antes procuram por todos os meios governar-se. Mas a gente da Católica do Porto não pertence a esse mundo, são pensamentos livres com muito para dizer sobre e para o País a partir deste reduto.

Por isso, em cumprimento dos valores e princípios editoriais deste blogue, reproduzo aqui o testemunho do Francisco Carvalho Guerra, do Alberto Castro e do José Fernando Pinto dos Santos:

“Um pouco de História 

25 anos! Há, aproximadamente, 25 anos, surgia a primeira presença do Centro Regional do Porto na internet (ver anexo). Em paralelo, aquando da atribuição de endereços de email aos afiliados com o CRP da Universidade Católica Portuguesa, foi tomada a decisão de, nos mesmos, evidenciar o subdomínio “porto”. Tal deliberação, assumida ainda D. Júlio Tavares Rebimba era o Bispo do Porto, consolidou-se já no mandato de D. Armindo Lopes Coelho. Não a determinou qualquer vontade independentista, nem sequer regionalista: “ucp.pt” é o domínio; fazê-lo anteceder de “porto” patenteia que, sendo da Diocese do Porto, é uma parte integrante da UCP. Tal passo, devidamente ponderado, traduzia a vontade de alinhar os tempos modernos, vividos na Universidade, com algo matricial na Igreja Católica em que as Dioceses são organizações territoriais paritárias. É que, ao contrário do entendimento corrente, em larga medida veiculado pela comunicação social, a Diocese de Lisboa não encima a Igreja Católica em Portugal.

A decisão foi partilhada com o Senhor D. José Policarpo, então ainda Reitor e, posteriormente, Magno Chanceler, que sempre entendeu o seu sentido último: ser “Católica” começava por ser Porto. Reiterou-o uma e outra vez quando, sempre que nos visitava, expressava publicamente o seu sentimento de que era no Porto que a Católica era “mais Católica”.

Ao terminar com o subdomínio “porto.ucp.pt”, a UCP parece querer mostrar não só uma unidade, mas impor uma unicidade. Sem qualquer fundamento tecnológico inteligível, ignorando os pesados custos pessoais que impõe e em contradição com a estratégia de uma “territorialidade inteligente”, recentemente anunciada para a UCP, tal passo desvia-se do preceito fundamental da hierarquia da Igreja Católica que, sendo Católica (i.e., universal), reconhece qualidade e distinção a cada uma das suas quase três mil Dioceses. Por isso, a regra é que as Universidades Católicas espalhadas pelo mundo são sempre “locais”, nunca “nacionais”. Portugal, exceção por motivos histórico-políticos, não devia abandonar a tradição de ter centros cujos nomes os conotassem com a Diocese onde estão e de o refletir, neste caso, nos endereços de email. Para não os indiferenciar.

Passaram 25 anos! Ironicamente celebrados com o enterro desse subdomínio. A UCP acompanha o País… Sinal dos tempos?!”

Francisco Carvalho Guerra

Alberto Castro

José Fernando Pinto dos Santos

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