A nossa proverbial humildade tem conduzido à dominância de uma leitura miserabilista e declarada como antinacional da decisão britânica sobre a retirada de Portugal da sua “lista verde” de países seguros, com alguns a salientarem adicionalmente os erros que cometemos e com que para tal também acabamos objetivamente por contribuir (está e estará por explicar tudo o que nos levou a trazer a final da Champions para o Porto, mas ninguém me tira da ideia a centralidade da saloia candidatura a mais um grande evento — o Mundial de 2030 —, recorrendo a um modo esgotado de fazer política para servir os interesses de posicionamento da atual FPF num quadro em que o acontecimento ocorrerá debaixo de uma subordinação ibérica que não parece justificar tanto ruído e risco).
Dito isto, é óbvio que o essencial está ailleurs e tem sobretudo a ver com a manifesta incompetência de Boris Johnson ao comando de um país com a história e a reputação do Reino Unido. Por um lado, e num plano mais conjuntural, a gestão da pandemia foi consabidamente desastrosa e continua a tolher o primeiro-ministro nas suas escolhas (sempre dúbias e revertíveis) perante o medo de novos surtos e variantes e de novas crises internas graves de saúde pública com reflexos na sua imagem. Com o deadline de um novo desconfinamento em 21 de junho a não facilitar a coisa.
Mas o que sobreleva, por outro lado, é o plano estrutural de um agente político sem convicções firmes que apostou tudo na mudança em favor do Brexit que a dada altura empreendeu e em toda a tática política antieuropeia que subsequentemente assumiu. Com efeito, BoJo vive hoje sob a obsessão de demonstrar aos seus concidadãos que essa sua opção foi acertada e que assim se vai revelando em todos e quaisquer momentos do seu quotidiano (porque o Reino Unido faz melhor do que a Europa e ele tudo procura fazer para minar o Continente, seja com as vacinas da AstraZeneca ou com a lista permissiva de circulação turística de que Portugal tinha sido uma exceção por descuido). Um tiro que necessariamente lhe irá sair pela culatra, mais cedo ou mais tarde, sendo que entretanto “o povo é que paga” nas várias dimensões em causa (incluindo uma tendencial obrigação de destinos nacionais de férias, especialmente apropriados a quem privilegia o “sol e praia”).
Porque, e mais determinantemente, o que se vai sabendo em curso nas fronteiras do país é do foro do implacável (centros de detenção e recusas de entrada — 3294 no primeiro trimestre, seis vezes mais do que no homólogo de 2020 —, emissões de vistos limitadas a titulares de uma oferta de emprego com salário não inferior a 2500 euros mensais e sujeitas a taxas diferenciadas, expatriações ou ameaças delas para centenas de milhares de cidadãos europeus já residentes). Como se pode ler no “Le Monde” de hoje, “os "imigrantes" europeus no Reino Unido são, antes de mais nada, peões no tabuleiro de xadrez político britânico e uma moeda de troca no grande braço de ferro do Brexit que prossegue. Os maus-tratos infligidos aos europeus agradam a uma grande parte do eleitorado do Senhor Johnson, que sabe perfeitamente jogar com isso. O que igualmente muito se assemelha a uma mensagem dirigida por seu governo aos Vinte Sete, ao mesmo tempo que enormes contenciosos políticos e económicos — Irlanda do Norte, serviços financeiros, pescas — permanecem em cima da mesa.” Uma humilhação que, há que convir, os responsáveis nacionais dos países europeus mereceriam experimentar, não fora os seus impactos nos inocentes cidadãos europeus médios — veja-se o considerado “caso arrumado” das medidas que nuestros hermanos se preparavam para impor nas suas fronteiras com Portugal, verdadeiramente elucidativo do que aquele editorial intitulava como “xenofobia entre europeus”.
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