quarta-feira, 2 de junho de 2021

A LINEAR ÁLGEBRA DESTAS MATRIZES

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

 

Muita coisa corre bem no nosso muito próprio combate à pandemia, desde logo no tocante à vacinação e aos resultados que o tenente-coronel vai conseguindo evidenciar (a despeito das críticas de que vai sendo alvo, pontuais e ridículas algumas e aparentemente razoáveis mas não determinantes outras). Não obstante, confesso que já me perdi em termos de uma avaliação objetiva e justa do comportamento presidencial, da atuação governamental em geral e da ministra da Saúde em particular, do desempenho da DGS e da sua diretora Graça Freitas, da prestação dos epidemiologistas e outros especialistas, do trabalho dos media e dos comentadores que recorrentemente nos visitam.

 

Ouvi ontem José Miguel Júdice em mais uma das suas invetivas contra lógicas pró-confinamento e os seus principais arautos públicos (os epidemiologistas). O alvo centrava-se, desta vez, na matriz de risco que António Costa apresentou ao País em 11 de março; afirmando: “Desde que foi inventada pelo lóbi dos epidemiologistas (o qual agora resiste com unhas e dentes a aceitar alterá-la), a matriz de risco era evidentemente um absurdo. Disse-o de imediato, em 16 de março, sob a epígrafe ‘um quadrado mágico ou infantil’.” Ao tempo, encarei a dita matriz como algo de útil perante a confusão que estava instalada na sociedade portuguesa e as suas perigosas implicações; mas não deixo de acompanhar Júdice quando ele sustenta que o Governo “não confessou a infantilidade, mas mudou a matriz de tal modo que o verde passou a avançar nos quadrados amarelos”, ou seja, que “o quadrado mágico move-se” e que “por mais que o quadrado verde se movesse, o amarelo tinha de ser atingido” (o que corresponde a estarmos a funcionar sob contornos absolutamente ridicularizáveis por força da política no seu pior) — além de que “as duas variáveis escolhidas são evidentemente inadequadas”, existindo “muitos mais fatores a ponderar” e, designadamente, “a matriz devia refletir sobretudo a evolução do stress sobre os hospitais e a mortalidade”.


Entretanto e enquanto escrevia este post, o primeiro-ministro veio comunicar ao País novas regras para o nosso desconfinamento. Desde logo, mediante a intrigante descoberta tardia da existência de uma realidade chamada “concelhos de baixa densidade” a merecer tratamento distinto dos seus congéneres de densidade maior (o que não deixa de ser incompreensível face ao que foi sucedendo no passado recente em muitos casos em que foram audíveis os protestos dos autarcas respetivos). Mas também, à boleia de muitos ecos societariamente expressivos e potencialmente explosivos, sobretudo após uma tolerância a “tudo o que custa proibir no terreno” nos festejos do Sporting e nos dois dias de ingleses no Porto (“não correu tudo bem”, na versão do primeiro-ministro) — a propósito declarou macarronicamente Pinto da Costa que “deixava um conselho ao senhor primeiro-ministro António Costa: demita-os e, se não é capaz, demita-se o senhor”, no que foi apoiado, entre outros insuspeitos, por Marques Mendes (“podemos não gostar da linguagem mais agressiva de Pinto da Costa mas ele tem toda a razão”) e pelo próprio Júdice (“disse melhor do que um líder da oposição o essencial”). E aí está o Governo, pois, a correr atrás do senso comum e da fadiga pandémica, após o faro político de Marcelo já ter indiciado com clareza o incontornável caminho a seguir em face da “desobediência civil” e do “caos público” que já começava a vislumbrar: “não se pode dizer que temos que obedecer às regras, fixa-se um limite e depois o limite já não é esse, é outro”; “Portugal está a entrar numa fase em que, continuando a olhar para a vida e para a saúde, é preciso olhar também para a vida e a saúde da economia e da sociedade”; impõe-se “um grande equilíbrio entre não facilitar e não alarmar”. Enfim, o que mais importa agora é desejar que a vida possa mesmo regressar paulatina e seguramente.

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