sexta-feira, 25 de junho de 2021

O FIM DAS SUPERIORIDADES MORAIS

Não sei porquê nem porque não, mas Clara Ferreira Alves parece-me andar mal com a vida, assim fazendo com que algo que era estimulante — lê-la no “Expresso” ou ouvi-la no “Eixo do Mal” — tenha passado a ser predominantemente pesado e penoso. Contudo, e como acontece com todas as pessoas inteligentes, acabam sempre por surgir intervalos no seu nervosismo e irritação que fazem despontar momentos inspirados.

 

Assim aconteceu na noite passada na SIC Notícias — reproduzo o tópico em causa, que considerei bem esgalhado: “Vindo nós de uma grande tradição de neutralidade em matéria de ditadores, evidentemente que o seráfico Santos Silva — que é o acólito do grande sacerdote Costa — só podia vir dizer ‘eu nem sequer sei de que é que estão a falar porque eu sou um democrata’. Esta gente bate imenso no peito... porque são de esquerda. Vocês imaginam se fosse um governo de direita a arranjar uns alojamentos em Caxias para imigrantes, a dar dados pessoais de ativistas anti-Putin à Rússia e agora a declarar a sua neutralidade perante esta lei que não tem nada a ver com homossexuais, vocês imaginam as manifestações que já tínhamos na rua, no Largo de Camões... Mas isto é um governo de esquerda.”

 

Já noutras alturas me ocorrera um pensamento semelhante, aliás quase me levando a admitir mesmo que talvez devêssemos um enorme pedido de desculpas a um Pedro Santana Lopes que foi afastado por tropelias idiotas mas bem mais inofensivas do que várias práticas e declarações produzidas por sucessores seus como José Sócrates ou Passos Coelho. Como quer que seja, o que é certo é que Clara tem razão: precisamos de olhar seriamente em volta de toda esta barafunda e de, esforçadamente, irmos à procura de encontrar algo — e já não peço um rumo — que possa atribuir um mínimo de sentido ao prosseguimento de um caminho coletivo decente.

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

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