(Escrevo, por razões familiares, no jardim de casa localizada no chamado distrito artístico do Porto, a cuidar dos netos, com máscara, depois de um fim de semana incompleto e que soube a pouco em Seixas, com um junho magnífico que convida a sair da casca. É devido a esta localização particular que o tema da ambivalência do turismo me vem à cabeça.)
Esta zona do Porto que me habituei a identificar como o quarteirão das Belas Artes ilustra bem os diferentes cambiantes e também peripécias que a especialização turística do Porto tem vindo a experienciar nos últimos tempos.
Em primeiro lugar e aparentemente sem qualquer influência de uma política pública qualquer, a especialização turística marcada por pequenos hotéis (o novo hotel da Avenida Fernão Magalhães, de maior escala, que se juntou ao Vila Galé do Campo 24 de Agosto, já pode considerar-se fora desta área) e bastante alojamento local ajustou-se perfeitamente ao tecido económico e social desta zona muito peculiar. É assim possível assistirmos à convivência do turista casual e informal com população estudante (de Belas Artes e não só) e população envelhecida e reformada que toma as suas refeições nos cafés mais expressivos.
A pandemia ditou obviamente a suspensão quase total dessa dinâmica e não tenho ainda dados suficientes e expressivos para avaliar se a recuperação a que se assiste (imagino que a questão dos ingleses não será absolutamente determinante para essa recuperação) será concretizada a partir da situação anterior, sem destruição de negócio ou se, pelo contrário, houve alguma migração para o arrendamento.
Dou este exemplo para mostrar uma das ambivalências do turismo, com ou sem crise. Neste caso, o turismo é mais uma atividade na Cidade, não se sobrepõe a tudo o resto, vai no sentido da dinâmica da zona, anima-a com mais intensidade e maior cosmopolitismo. Sou dos que tendeu a subvalorizar os efeitos perversos do turismo na Cidade ao contrário de muita gente que se sentiu incomodada com as hordas de turistas pela Cidade e que viram na febre do alojamento local uma perversidade na alocação dos recursos de investimento. Nunca encontrei evidência da magnitude desses efeitos e, a verificarem-se, uma política pública de habitação mais robusta resolveria a contento esses efeitos perversos.
Mas claro que para outros setores, agentes e territórios o turismo não tem sido olhado desta maneira. Fico estarrecido com algumas posições e testemunhos segundo os quais dá a entender que o turismo é a salvação do país, que não temos mais nada para oferecer do que vender o melhor possível os nossos recursos de clima, naturais, patrimoniais, culturais. Não quero ser cínico mas estou em crer que foi esse entendimento que indiretamente acabou por estar na base da nossa solicitude algo subserviente de atrair em recurso a final da Champions com a horda de ingleses atrás com as conhecidas consequências de quem acha que a cerveja é barata. Eu sei que o Europeu realizado em Portugal deixou bons ecos sobre a convivialidade do país e que esses ecos terão trazido alguma fidelização de turistas, mas aí o público era outro, mais diversificado. A única competência a meu ver que a final da Champions no Porto validou foi a da organização de grandes eventos desportivos. Sobre o impacto turístico do acontecimento já tenho sérias dúvidas e não estou a estabelecer uma ligação direta entre esse meu entendimento e a estapafúrdia decisão do governo de Johnson de retirar Portugal da lista verde para as férias dos ingleses.
Seria bom que nos habituássemos à ideia de que ver o turismo por essas lentes colocará sempre o país e as regiões que a ela aderirem numa enorme vulnerabilidade. Essa vulnerabilidade, materializada na dependência face à imprevisibilidade dos tabloides ingleses (que são a fonte de informação da esmagadora maioria dos ingleses e não o Guardian como gostaríamos que fosse), já se manifestava antes do Brexit e, obviamente, redobrará de intensidade após a consumação do ato de saída. E, para cúmulo de tudo isto, a personalidade de Boris Johnson e o tipo de governo que dela resulta exacerbam essa imprevisibilidade para além dos limites do razoável. Bem pode o ministro Santos Silva esgotar o seu vocabulário de adjetivação diplomática para criticar a posição inglesa porque continuará a adjetivar no deserto.
Um modelo turístico diversificado para o país pode obviamente integrar a dimensão de procura que os ingleses bem representam, mas daí a transformá-lo em obsessão de perda nacional não é saudável para a saúde coletiva do país. O Algarve que dê corda aos sapatos para reduzir a sua vulnerabilidade e que vá procurando diversificar as origens dos seus visitantes. Para outros territórios, essa obsessão não existe, já que o turismo tem condições para ser uma atividade entre outras, que permita, por exemplo como acontece com os territórios mais interiores, valorizar recursos patrimoniais, culturais e naturais com gente que assuma os valores da sustentabilidade mesmo nas suas viagens de turismo.
E com tanta contestação e palavras de azedume puramente tático, as gentes do futebol lá conseguiram que a desproporção de critérios para consumo interno e para consumo de Champions acabasse por abrir caminho ao futebol com espectadores
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