(Como toda a gente de boa vontade o reconhece, Joe Biden trouxe de novo a América para o centro das decisões no mundo e um respiro de alívio pressente-se pelos sítios mais diversos. A Rússia e a China gozaram durante os tempos de Trump, por motivos diversos, margem de manobra não recomendável, a primeira porque Trump tinha rabos de palha nesse cartório e a segunda porque o enfrentamento do ex-presidente americano foi desajeitado e inconsequente. Mas algo de paradoxal se passa por esta altura. Os olhos voltam-se de novo para os EUA, mas estes estão longe da supremacia de outros tempos como vários indicadores o demonstram com clareza.)
Poderíamos talvez dizer que a trágica derrocada do prédio de muitos andares em Miami é uma imagem da debilidade a que me quero referir. Mas não irei por aí, apesar de emergir com cada vez maior nitidez a tese do descuido e da incúria, pois circularam hoje notícias de que as deficiências estruturais do edifício já tinham sido sinalizadas e ninguém se ocupou da respetiva segurança.
Os EUA vêm dando sinais de uma fragilidade estrutural algo assustadora, sobretudo na sequência dos níveis algo descontrolados com que a desigualdade foi sendo cavada na sociedade americana. Tal como o assinalei aqui devida e oportunamente, já não são apenas os grupos historicamente fragilizados na sociedade americana (população negra e hispânica) a apresentar dados de saúde e de condições de vida. Anne Case e Angus Deaton mostraram que também a população branca mais empobrecida entre os 30 e os 50 revela sinais preocupantes de morbilidade, com sérios problemas de drogas, alcoolismo e taxas elevadas de suicídio. O que parece que o universo do American Dream tem vindo a ser encurtado e a transformar-se em trágica ilusão para muitos.
O jornalista Nicholas Kristoff retoma no New York Times (link aqui) essas nuvens ameaçadoras da supremacia americana, trazendo para a reflexão indicadores como a taxa de escolarização superior, a esperança de vida, a literacia dos jovens em matemática, a capacidade de ler e interpretar que apresenta um lag de cerca de cinco anos (jovens de quinze anos não conseguem ler e interpretar ao nível esperado para os jovens de 10 anos) e o índice de Progresso Social em que os EUA são apenas o 28º país do mundo e em recuo.
Por estas razões, talvez se possa dizer que Biden poderá fazer mais pelo mundo atacando a nível interno as maiores fontes de fragilidade estrutural da sociedade americana e colocando ao serviço do mundo os seus principais fatores de poderio a nível mundial, onde os aparelhos militar e universitário se destacam com muita clareza. Ainda há dias vi na Netflix o espantoso “Hillbilly Elegy - A Memoir of a Family and Culture in Crisis” que não é mais do que a versão para o cinema do livro de J.D. Vance que tanto me tinha impressionado quando o li e ao qual me referi neste blogue com o post “Os Brancos dos Montes Apalaches” (link aqui). Aí se percebe como o American Dream tem definhado, percebendo-se por essa via as duas frentes de trabalho em que o velho Biden vai ter de atingir resultados.
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