quarta-feira, 30 de junho de 2021

A PURGA

 


(Não imagino qual irá ser o desfecho da investigação judicial a Joe Berardo e restantes arguidos, interessando-me mais o apuramento de responsabilidades de gente envolvida dentro da banca do que as revelações em torno de tão estranha mas igualmente tão previsível personalidade. Do ponto de vista do modelo económico e também político que nos conduziu à exaustão do modelo de crescimento subjacente à queda do PEC 4 e precipitação da entrada de Passos Coelho, a metáfora que me vem à cabeça é a de purga de um sistema. É uma espécie de limpeza dos fatores que conduziram a que o modelo ficasse exaurido e muito provavelmente não iremos ficar por aqui, outros fantasmas sairão dos armários.)

A personagem de Joe Berardo era tão estranha e simultaneamente tão previsível que dificilmente um dia uma peça qualquer da engrenagem não iria falhar e por a nu as vulnerabilidades dos esquemas sobre as quais estava construída. E, em coisas do género, basta estar um pouco atento para perceber que a personagem não existiria isolada e apenas com a ajuda por mais brilhante que fosse dos seus principais advogados. Afinal o homem movimentava-se com uma facilidade apesar do seu peso e envergadura que obviamente caminhava por caminhos oleados pela ajuda de outros. É por isso que as averiguações sobre o papel de personagens da própria banca neste processo são cruciais não só para perceber a construção do dano financeiro, mas também a intensidade das movimentações políticas que acolitaram ou instrumentalizaram o processo para desígnios mais altos.

Há já algum tempo que assistimos a uma purga do sistema, crucial para tentar compreender com que saúde de instituições e recursos poderemos equacionar uma recuperação de alcance mais estratégico e que não mais baseie o crescimento nos fatores que exauriram o modelo. Essa purga é desagradável porque evidencia as patologias do sistema e faz ignorar a presença de coisas saudáveis. Mas não vejo outra forma de ir clarificando com quem é que poderemos contar para a tal recuperação. Pena é que a justiça alongue para além do que é compreensível processos desta natureza, adiando a manifestação dos efeitos benéficos de tais purgas. Porque para além de um certo limiar de tempo para a concretização dos efeitos de saneamento de processos e personalidades são evidentes os riscos de que a patologia se sobreponha ao que é ainda saudável e recomendável nestes processos.

Os processos de regeneração e de purga de processos com elevada carga de especulação, nepotismo, corrupção e alocação ineficiente de recursos estão pouco estudados, sobretudo porque tendem a ser equiparados a processos liquidacionistas de superação das crises, invocados por autores como Hayek e em parte Schumpeter para explicar a recuperação das economias após crises severas como a de 1930. Neste caso, invoco a ideia de purga dos comportamentos e processos que nos conduziram à exaustão do modelo de crescimento e à anemia das taxas de crescimento económico nos anos 2000 e seguintes como algo de diferente do liquidacionismo total e sem olhar a custos em matéria de destruição de emprego, de desemprego e de atividade económica.

Não me admiraria que outros processos e personalidades venham a lume. Manuel Carvalho fala hoje no Público de um duro golpe na impunidade. Assim é, se a entendermos como o produto da cumplicidade de aproveitadores e de potenciadores de condições favoráveis e não apenas como a manifestação apenas de uma personalidade insólita. Espero que a investigação o consiga demonstrar, até porque o tempo da recuperação urge e há gente e processos que têm de ir borda fora para o barco se tornar mais ágil e seguro.

Nota: Correções de gralhas em 01.07.2021

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