("As células expostas à vacina de Oxford adquirem "espinhos" semelhantes ao vírus)
(Já há muito tempo que não trazia para o blogue a questão da pandemia e da vacinação. Várias razões contribuem para tal, uma das mais salientes é o cansaço que sinto com toda esta parvoíce de querer meter o Rossio na Betesga, desculpem as metáforas sulistas, ou seja de querer promover a Cidade e o turismo com ingleses e futebol à mistura e depois aparecer o coro de virgens ofendidas horrorizados com as contradições óbvias e antecipáveis. Mas quero ir um pouco mais fundo na organização e planeamento do processo de vacinação, globalmente positivo, apesar deste vosso Amigo, Astrazenecado, ir ter a sua vacinação completa mais do que um mês depois de gente bem mais nova do que eu, dez a vinte anos.)
Quanto ao evento da Champions, ficaram da minha parte alguma reflexões por fazer. Mas outros temas que considerei mais motivadores sobrepuseram-se a essa intenção e quem escreve por gosto além de não cansar passa rapidamente à frente do que poderia ter sido dito e outros o disseram.
Dois temas despertaram essencialmente a minha atenção.
O primeiro que tinha pensado designar de “Guardiolices” plasmado na lição de futebol que o Tuchel deu ao independentista Guardiola, condenado a não ganhar nada de internacional a não ser ao serviço do seu Barça dos bons tempos. Para quem se ufana de protagonizar estudos de caso sobre liderança estratégica (e não sei se tática), a maneira como o Chelsea secou os milhões do City até meteu dó, passível de leitura mesmo pelo espectador mais iletrado e insensível à estratégia no futebol. Alguns jornalistas fizeram eco dessa frustração tática de Guardiola e a cerveja ajudou a que os aficionados do City perdoassem esta afronta humilhante, com a vitória na liga inglesa a ser uma espécie de bálsamo ao retardador. Por isso, passemos à frente.
O segundo tem que ver com o sentido de pequenez que temos sistematicamente internalizado, balizado pela fé em que o turismo nos vai permitir para sempre adiar a mudança estrutural do nosso perfil de especialização. Assim, estaremos sempre prontos para a costumeira fuga para a frente dos grandes eventos, sobrevalorizando sempre os benefícios da sua realização e mitigando os possíveis efeitos negativos e até o Pintinho se chegou à frente, num assomo de energia retardada, para mergulhar no estafado “demita-os ou demita-se”. Pobre António Costa, o que tem você que aturar e engolir, sapos retardados e fora de validade.
Talvez o empolamento de imagens tenha acontecido e seguramente que os ingleses do futebol e da cerveja são intratáveis. Algumas bolhas rebentaram e as senhoras da DGS lá recomendaram contenção e pouca saída a quem contactou mais de perto com os “astrazenecados” ingleses. Não seria melhor uma testagem a sério? Mas o Manuel Carvalho já escreveu sobre isto e seguramente muito melhor do que eu. Sabemos que a dimensão psicanalítica do ser Português é complexa, sobretudo do ponto de vista do ajuste de contas com a nossa dimensão real, a da pequenez embora com uma grande e voluntariosa diáspora, mas o problema é o que o Eduardo Lourenço já não está entre nós e não aprendemos com ele a fazer recorrentemente a nossa psicanálise coletiva. E além disso, o Miguel Real, o único que poderia aspirar a aprofundar essa senda de Eduardo Lourenço também nos últimos tempos parece pouco interessado em caminhar por aí. Passemos à frente, até porque outros momentos de manifestação do síndroma vão acontecer e cheira-me que será pelas bandas de Albufeira.
Mas voltemos à vacinação e ao respeitinho pela farda do Vice-Almirante. A minha paciência oriental, ou se quiserem prudencial, algo de estranho em alguém que não tem qualquer interesse asiático e oriental, ajuda-me a passar por cima desta incongruência manifesta. Apenas pelo facto de terem alargado o prazo entre as duas tomas da AstraZeneca, com 72 anos, estarei totalmente vacinado um mês e picos depois de muita gente 10 a 20 anos mais novos.
Não é sobre isso que quero falar, pois com esse atraso posso eu bem.
Quero antes destacar algo de estrutural e diria mesmo atávico que está a acontecer no processo de vacinação, a que tenho recorrentemente assistido na minha vida profissional, com tanta regularidade que o considero algo de somaticamente institucional.
Certamente que deram conta que os primeiros ecos de algo de menos bem estaria a acontecer no processo de vacinação surgiram, não por escassez de vacinas, pois disso o nosso Vice-Almirante não pode queixar-se, mas principalmente quando a abertura do chamado autoagendamento criou dois sistemas paralelos de convocação para a vacinação. Existem de facto dois processos a decorrer em simultâneo, o nacional e o regional/local na área de influência dos centros de saúde e seus agrupamentos. Ora o próprio Vice-Almirante, um pouco encavacado, tem confirmado existirem problemas de compatibilização das duas fontes de agendamento.
Não é preciso ser um expert informático para intuir que estarão aqui em causa questões de integração e compatibilização de bases de dados. E aqui a minha experiência de “reflective practitioner” do planeamento ensinou-me ao longo do tempo que devemos ter aqui alguma falha congénita. Estes processos de integração de bases de informação na governação multinível correm recorrentemente mal e depois ninguém se entende. À primeira deceção na integração, os integráveis reagem pavlovianamente como “ratinhos de laboratório” e criam os seus próprios sistemas de informação contingenciais, cuja existência já se confunde com o nosso planeamento. Ora, existe uma regra básica, quanto mais sistemas contingenciais se criarem mais problemática se torna a integração.
Ora como me recuso a aceitar que as nossas competências informáticas se limitem à criatividade preguiçosa do “reset”, o que é que explica então a nossa atávica incapacidade de organizar sistemas de informação multinível? Não é seguramente a nossa capacidade informática, pois essa tem melhorado não só ao nível dos recursos humanos mais avançados, mas também em termos de qualificações intermédias. Será uma forma ardilosa e subtil de nos convencer que a governação multinível é uma treta e que a nossa vocação é mais para os sistemas centralizados e colocar a tropa miúda em respeito para obedecer? Neste caso, não o parece, pois o autoagendamento é que introduziu a dimensão centralizada. Estão as unidades regionais e locais de saúde a esgotar a sua capacidade de registos informáticos para a convocação? Tenho casos conhecidos de pessoas que autoagendaram, receberam uma data para a vacinação, essa data não se cumpriu e entraram uns dias depois numa procissão infernal de tentar resolver a falta de eficácia do sistema e que acabaram por resolvê-lo através de um contacto solícito com uma unidade local.
Como isto não é novo na minha experiência começo a intuir que se trata de alguma incapacidade congénito-estrutural dos Portugueses e das nossas instituições. Não haverá aqui um traço comportamental implícito ou escondido baseado numa reação à integração e ao controlo? Quem quiser contribuir para uma nova psicanálise coletiva dos portugueses que mete informática será bem acolhido.
Pelo sim, pelo não, bato com os dedos na madeira para que o 19 de julho se cumpra e não entre em incumprimento para eu poder ficar “astrazenecado” de vez.
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