sábado, 18 de junho de 2022

A REINVENÇÃO DA GLOBALIZAÇÃO

 


(Este foi o tema central dos meus últimos tempos de atividade de docência e de investigação na Faculdade de Economia do Porto, em que deixei uma cadeira de mestrado que não teve sucessor. Por isso, dá-me um certo gozo ver o tema de novo no centro do debate da economia mundial, na sequência de uma tripla aceleração que parece não ter fim: o populismo nacionalisto- bacoco de Trump, a pandemia e a guerra da Ucrânia, numa sequência infernal que no início da década de 2010 estávamos longe de imaginar que poderia abater-se sobre nós. Como sucedeu a propósito de outros temas, o Economist tem coberto exemplarmente o tema. A revista esteve entre os primeiros a alertar para a “slowbalization”, a denunciar a perigosa escalada do nacionalismo Trumpiano e a sedução política das suas propostas e continua na linha da frente a seguir o tema e a alertar o mundo para os perigos de regressão mundial.)

Esta semana a revista volta à carga e interpela o mundo que a lê e respeita com a ideia dos rumos que a sua reinvenção pode assumir.

Estou perfeitamente em linha com este último alerta (link aqui):

Este novo tipo de globalização é sobre segurança, não sobre eficiência: dá prioridade a fazer negócio com quem se tem confiança. Pode derivar rapidamente para o protecionismo, governo desmesurado e agravamento da inflação. Alternativamente, se as empresas e os políticos forem contidos, pode alterar a economia mundial para melhor, mantendo os benefícios da abertura enquanto se melhora a resiliência.”

Foi este tema que sempre me afastou das teses da esquerda mais radical sobre a globalização. Crítico dos seus paradoxos (em linha com a grande investigação de Dani Rodrik sobre esta questão), defensor exigente da sua reforma inteligente e claramente com a perceção de que a alternativa de uma economia mundial fechada ao mais puro intervencionismo significa uma pior alternativa para o mundo e sobretudo para os menos desenvolvidos e menor dimensão como a economia portuguesa, sempre vi com muita preocupação a emergência de uma globalização ditada exclusivamente por questões de segurança e de resiliência e sem uma mínima consideração das questões da eficiência na organização do comércio mundial. Do ponto de vista dos equilíbrios mundiais e dos diferentes estádios de desenvolvimento dos países, abdicar de uma pincelada que seja de condições de eficiência na globalização significa adiar sine die as oportunidades dos menos desenvolvidos entrarem nos mecanismos da divisão internacional do trabalho, aproveitando a mudança estrutural (e subida de salários) nos que entraram primeiro.

Obviamente, a exacerbada aposta na globalização da eficiência determinou dois graves erros, qual deles o mais pernicioso. Primeiro erro: a eficiência mundial ficou refém de alguns países autocráticos, impondo salários desumanos e condições de trabalho próprias das mais obscuras condições de desumanização. Segundo erro: a sofisticação das cadeias de valor a nível mundial tendeu a ignorar os problemas da carbonização, colocando a oferta mundial num plano de vulnerabilidade que a pandemia e a guerra da Ucrânia mostraram ser insustentável

Mas se estivermos atentos e não desistirmos de pensar as soluções, afinal esta questão de um novo equilíbrio entre eficiência e resiliência não é nova. Ela aliás marca toda a economia. Os mais lúcidos já compreenderam há muito que a prossecução cega e acrítica da lógica da eficiência não nos leva a nada de positivo. A lógica da eficiência tem sempre de ser confrontada e regulada por outros critérios, sob pena da perversidade do mercado nos conduzir a becos sem saída. É assim com o confronto eficiência versus equidade, é também assim com o confronto eficiência versus sustentabilidade. Imaginar que na globalização não seria assim significa defesa apologética do capitalismo e incapacidade de compreender as suas limitações.

Ainda hoje, o Secretário-Geral António Guterres nos alertou para a necessidade de não encarar a resiliência face à dependência energética e fóssil da Rússia como um caminho para a revalorização das energias fósseis, embora provenientes de outras origens.

Pura e simplesmente o mesmo problema.

Sem comentários:

Enviar um comentário