sábado, 18 de junho de 2022

O COMBOIO PARA KIEV E OUTROS ENGANOS


(Pierre Kroll, https://www.lesoir.be)

É profundamente perturbadora a forma como se vai abordando sem verdade substantiva a trágica questão ucraniana suscitada pela bárbara invasão do país pela Federação Russa. De facto, enquanto a guerra prossegue sem tréguas e os interesses nacionais continuam bem presentes nas reações dos vários parceiros europeus ― mesmo num quadro em que a fadiga dos efeitos negativos ainda não alcançou a dimensão que necessariamente acontecerá se o conflito durar ―, os números políticos sucedem-se inconsequentes e para cidadão ver. Por um lado, a visita a Kiev dos líderes dos três maiores países da União (Alemanha, França e Itália) constituiu um misto, consciente e dispensável exercício de marketing e hipocrisia quando o que lá foram “garantir” a Zelensky mais não foi do que uma adocicada e incumprível mentira (como António Costa por cá foi dizendo para uma memória futura que nunca relevará). Por outro lado, e entretanto, a presidente da Comissão continua a desdobrar-se em iniciativas e promessas dirigidas a uma Ucrânia a que pretende garantir um acesso imediato e descontrolado ao estatuto de país-candidato ao convívio pleno no seio dos 27, matéria que terá desenvolvimentos finais na semana que vem e que assim acrescentará mais uma caixa de Pandora potencialmente explosiva ao lamentável dossiê do alargamento comunitário (quer pelo que a sua história das últimas décadas ilustra em termos de presenças pouco maturadas tornadas altamente problemáticas ― com consequências bem constrangedoras, como a das desavenças democráticas em relação à Polónia e à Hungria, e sem prejuízo de tantos outros incidentes e problemas menos mediaticamente expressivos na Bulgária, na Roménia, na Eslovénia e noutros países do Leste Europeu ―, quer pela fila de candidatos, especialmente localizados nos Balcãs, que pacientemente aguardam evoluções mais céleres dos seus já longos processos e agora se defrontam com o presente favorecimento ucraniano). E ― pior! ― sabe-o bem quem conhece as lógicas e os procedimentos europeus, tal favorecimento não corresponde efetivamente a mais do que uma promessa vã e criadora de expectativas cidadãs e políticas que não irão poder ser concretizadas. Em suma, a saída pela via da atribuição de um estatuto sem qualquer conteúdo efetivo mais não é do que uma simplificada limpeza de consciência por parte dos grandes países europeus face a mais complexas e genuínas formas de estar e agir perante o drama bélico que as envolve. 

(cartoons de Nicolas Vadot, http://www.levif.be Andy Davey, https://politicalcartoons.com)


(Peter Schrank, https://www.economist.com)

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