A primeira página do “Libération” de hoje deixa no ar a possibilidade de uma surpresa nas eleições legislativas francesas cuja primeira volta acontece amanhã. Uma surpresa que é, apesar de tudo, improvável por razões associadas ao sistema eleitoral vigente e ao modo como o mesmo favorece quase pornograficamente uma alimentação da maioria presidencial.
Não obstante, as inquietações e o nervosismo dominam a área política que os opositores gostam de apelidar de macronie, visto que as sondagens apontam para uma primeira volta próxima de empatada entre esse bloco de apoio a Macron (Ensemble!) e a união de esquerda (NUPES), por um lado, e projetam um número de deputados eleitos à segunda volta que pode vir a não garantir aos apoiantes do Presidente a obtenção dos 289 assentos necessários à manutenção de uma maioria absoluta, por outro. Este ponto é muito impressionante, em termos de sociologia política, ao revelar quanto a popularidade de Macron caiu nestes anos e quanto ela parece ser paradoxalmente irrecuperável o que quer que ele faça ou deixe de fazer.
Objetivamente, e enquanto Macron quase saiu de cena após a eleição presidencial e a nomeação de uma primeira-ministra com histórico de ligações à esquerda (apenas tendo reaparecido nesta última semana para efeitos de um damage control que se lhe tornou imperioso), o desafiador Mélenchon manteve uma forte pressão na sequência de um trabalho notável levado a cabo ao longo destes meses, culminado aliás com o dificílimo alcançar de uma união de toda a esquerda (apenas algum PSF minoritário excluído), com a sustentação dessa unidade ao longo da campanha e com a apresentação de um conjunto de propostas programáticas relativamente consistentes (embora discutíveis e potencialmente fraturantes). Os estados de espírito surgem, por isso, dissonantes, uns algo amedrontados e outros algo confiantes quanto ao que resultará da primeira noite de apuramento eleitoral.
Por fim, refira-se que o cruzamento entre a enorme indiferença cidadã que parece atingir este processo eleitoral (conduzindo seguramente a níveis brutais de abstenção) e o peso dos votos dirigidos a forças políticas situadas nos extremos do espetro politico (à esquerda e à direita) indicia ser em França que uma inevitável recomposição política de fundo a ocorrer na Europa está mais avançada, o que não quer dizer de todo suficientemente clarificada e democraticamente estabilizada. Um tema a seguir de perto!
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