MÉLENCHON

(Escrevo num domingo caminhense em que a chuva e o sol aberto se confrontam em busca do domínio da tarde e, por isso, muito antes das urnas fecharem em França para a segunda volta das legislativas. Preferi escrever o que tinha para escrever antes de conhecer os resultados e, por isso, desconhecendo se Macron perderá ou não a maioria parlamentar, sendo obrigado a uma coabitação de outros tempos, que o Presidente francês não imaginaria possível ainda há bem pouco tempo. É que, independentemente dos resultados de hoje, não posso deixar de anotar o feito notável de Jean Luc-Mélenchon em reagrupar a esquerda francesa no movimento MUPES, a ponto de disputar ombro a ombro a maioria parlamentar com o movimento de Macron. O facto de não morrer de amores pelo radicalismo da França Insubmissa de Mélenchon não me impede de reconhecer a enorme proeza política de ter conseguido influenciar eleições Presidenciais e agora legislativas, não deixando de barrar o caminho ao Grand Rassemblement de Marine Le Pen.)

O modelo eleitoral das segundas voltas em França tem uma grande complexidade e só verdadeiramente acompanhando o combate circunscrição a circunscrição se pode entender o significado profundo das alianças explícitas e implícitas que determinarão a composição do Parlamento francês. Em muitas circunscrições eleitorais, estou certo que os representantes do MUPES apoiarão o candidato de Macron frente aos amigos de Le Pen. Mas não estou nada seguro que apoiantes da frente de Macron apoiem sempre o candidato do MUPES frente aos amigos de Le Pen. O que deixa entender a complexidade da situação política em França. Afinal a barragem da extrema-direita não tem o mesmo significado para a esquerda e para a direita em França e isso diz bem da inconsistência com que a frente política de Macron se tem estabelecido em busca de condições estáveis de governação.

Mas o que emerge de tudo isto é o ressurgimento da Esquerda pela esquerda e tudo indica que Mélenchon tenha conseguido realizar uma aprendizagem rápida, tirando partido obviamente do estado letárgico do PS francês e do Partido Comunista também quase desaparecido, juntando ainda os Verdes que tardam em França a adquirir a estabilidade de influência eleitoral visível em países como a Alemanha.

Do ponto de vista político, é fundamental que a barragem da extrema-direita seja concretizada sem afunilamento das alternativas de maior justiça fiscal (sobretudo no contexto da transição energética) e de maior equidade social, por muito que possa custar a Macron esse confronto de águas na barragem de Le Pen. Como o tenho aqui referido, é importante que a frente política de Macron se oponha ao nacionalismo de Le Pen defendendo a projeção da França na União Europeia e com isso a defesa desta última. Mas não é menos importante que essa barragem seja também concretizada com a defesa de alguns valores da esquerda, por mais dúvidas que o radicalismo de Mélenchon me suscite.

Vista nesta perspetiva, a ascensão do radicalismo de Mélenchon foi fundamental para travar a crescente afirmação da extrema-direita de Le Pen na cobertura e proteção dos desfavorecidos e desempregados. E se analisarmos com rigor as grandes propostas do NUPES (como, por exemplo a subida do salário mínimo para 1.500 ou 1560 euros) elas pertencem mais ao mundo da social-democracia de outros tempos do que propriamente a delírios de um esquerdista, mais ou menos “chavizado”. Este é para mim o grande feito de Mélenchon, disputar à extrema-direita o apoio dos deserdados ou injustiçados ou perdedores da globalização, talvez mais importante do que saber se hoje, pela noite, o alinhamento das contas eleitorais der ao MUPES a principal representação parlamentar ou simplesmente o estatuto de principal força da oposição.

E por isso aqui estou eu a saudá-lo antes de conhecer os resultados.

É que do ponto de vista do futuro político da Europa, diversificar as alternativas políticas de barragem da extrema-direita e do populismo nacionalista mais agressivo reveste-se de grande importância e significado. Só por isso, Mélenchon mereceria ser saudado.