(A variação do PIB português no primeiro trimestre de 2022 registou um crescimento apreciável de 11,9% em termos homólogos, não sabemos ainda se com tendência a manter-se a este nível ao longo dos restantes três trimestres, o que me parece muito pouco provável, mas que ajuda a compensar pelo menos parcialmente a ameaça inflacionista, cada vez mais nítida, com 7,2 % referente ao mês de abril de 2022. Também em 2021, nesse caso no 2º trimestre, tinha sido observada uma taxa de crescimento até superior aos 11,9%, mais propriamente 16,5%, que não manteve esse padrão ao longo dos dois restantes trimestres de 2021. Sem surpresa, também em variações homólogas, o primeiro trimestre de 2022 registou um crescimento de exportações de 18,7%, quando as importações registavam um crescimento de 36,6%: As variações homólogas relativamente a 2020 e a 2019 mantinham o maior crescimento das importações, embora com valores bem menos significativos do que os agora registados no 1º trimestre de 2022.)
Esta conversa não é de agora e sempre que a economia portuguesa apresenta um ritmo de crescimento superior ao do ritmo médio dos últimos tempos, o défice comercial externo parece ressurgir, obrigando depois a ponderar o comportamento das exportações e importações de serviços, com o turismo muitas vezes a compensar o que a economia de bens não consegue alcançar.
Ao contrário do que muito boa gente pensa uma situação de défice externo não representa necessariamente algo de maléfico, tudo dependendo de saber que variáveis alimentam esse défice. Assim, por exemplo, um défice externo determinado por necessidades de investimento em equipamento, em grande medida via importações, é mais virtuoso do que um outro comandado por fatores de consumo exclusivamente.
Mais do que a situação de défice comercial externo em si mesmo interessa saber se a economia é capaz de alternar períodos de défice comercial externo com outros de excedentes comerciais, compensando-se ao longo do tempo. A longa permanência de défices externos, não apenas comerciais, mas integrando também a chamada balança de rendimentos, para uma economia relativamente endividada não é uma boa notícia e tende a gerar a longo prazo problemas de financiamento.
A hipótese de um período de crescimento económico rápido poder determinar um crescimento não usual de importações é algo que tem de ser compreendido no quadro da multilateralidade que a economia global determina. Não há país que consiga prescindir de importações, já que não é possível ser competitivo em muita coisa simultaneamente. Por isso, a solução consiste em controlar a magnitude do défice externo, evitar a sua permanência por longos períodos e limitar a sua origem a importações virtuosas, ou seja exclusivamente determinadas por necessidades de reequipamento impostas pela dinâmica do crescimento. .
Claro que a mudança estrutural desejável da economia portuguesa e do seu perfil de especialização deve determinar que a nossa base exportadora não permaneça exclusivamente centrada na exportação de bens de consumo e antes consiga penetrar em algumas fileiras de produção de equipamentos de forma a conter o conteúdo em importações dos surtos de crescimento económico mais rápido e saliente. Existem indicadores que mostram que isso estará a acontecer, não com a velocidade que seria desejável. Seria fundamental que, sem matar o potencial turístico e de acolhimento da economia portuguesa, a nossa especialização produtiva não quedasse tão dependente do potencial turístico para reduzir a dimensão de défices externos.
Para quem anda cá já há algum tempo, esta conversa é um pouco recorrente, o que significa que os processos de mudança estrutural são mais lentos do que os observados em algumas economias de referência, europeias e asiáticas, em que a relação existente entre evolução da especialização e crescimento económico é mais fluida e já não estou a pensar no exemplo de manual que a Coreia do Sul sempre representa nestas matérias.
Por isso, sem diabolizar os problemas do défice externo, eles não podem ser ignorados e sobretudo perder de vista os fatores que determinam o seu agravamento. Já percebemos que o nosso ADN não é disruptivo e propício a grandes acelerações de mudança estrutural. Mas por isso mesmo não pode perder-se o foco nessas mudanças, mesmo que se processem a um ritmo que o político carente de evidência rápida tem dificuldade em gerir.
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