terça-feira, 7 de junho de 2022

UMA GUERRA, VÁRIAS DIPLOMACIAS

 

(A braços com uma série de trabalhos para entregar, um paper para redigir para o congresso da Associação Portuguesa do Desenvolvimento Regional, APDR, no Funchal em fins de junho e ainda com resquícios do encatarramento covidiano, a vida não está fácil. Para hoje mais uma reflexão sobre o impasse em que a guerra na Ucrânia emergência está a transformar-se e sobretudo sobre a caótica emergência de soluções e vias diplomáticas, onde parece cada vez mais que há muita gente a pronunciar-se sem contudo se ter encontrado a liderança e o protagonismo certos para impor às partes a atitude que se recomenda numa negociação, a análise custo-benefício de cedências.)

Encontrar a narrativa certa sobre o estado da guerra e uma leitura o mais objetiva possível dos mapas com que somos bombardeados todos os dias não é tarefa fácil. E os testemunhos da grande generalidade dos enviados especiais das televisões portuguesas são regra geral de âmbito muito local, por isso o esforço analítico é grande para ver e compreender a floresta.

O próprio comportamento aparentemente errático dos Russos complica e de que maneira a interpretação. Pois quando começa a formar-se a ideia de que o DOMBASS sempre foi o objetivo central da invasão Russa, de forma a dar consistência e escala a ocupações anteriores, há sempre uma súbita deriva a perturbar essa interpretação. Foi esse o caso do mais ataque a Kiev depois de um longo período de hibernação da agressão à capital ucraniana. Poderíamos dizer o mesmo de outras incursões que transcendem o leste do território ucraniano, que aparentemente devem ser entendidos como manobras de diversão de um objetivo geral, esse mais consistente, de ganho de posições no DOMBASS.

Cada vez que a ajuda militar ocidental, especialmente americana e britânica, ganha expressão, os Ucranianos procuram ganhar tempo para que lhes seja possível traduzir em poder de fogo o produto dessa ajuda. Nenhuma das partes parece hoje estar em condições de conseguir avanços significativos no terreno. Os Ucranianos precisam da narrativa de que a contraofensiva é possível, enquanto os Russos tenderão a hipervalorizar pequenos ganhos territoriais, até porque não terão muito mais que oferecer à sua comunicação interna.

Entretanto, a cacofonia das iniciativas diplomáticas está ao rubro. Tenho para mim que quanto mais ruidosas essas iniciativas menos consequentes elas serão. No meio de tanta cacofonia, não se vislumbram nem força de liderança, nem equidistância suficientes para conduzir a uma negociação eficaz.

Mas há uma matéria que começou por ser lateral e que está hoje transformada no que poderá vir a ser o principal fator de aceleração de mudança na guerra. Essa matéria é a do desbloqueamento da carga imensa de cereais ucranianos retidos e sem possibilidade de escoamento para o mundo, colocando o mundo em geral à beira de uma crise alimentar de proporções não imaginadas até há bem pouco tempo. Esta variável escapou ao controlo de Putin, a partir do momento em que zonas do mundo que se mantiveram senão no apoio direto à Rússia, pelo menos longe da decisão ocidental de isolar o autocrata russo, com a África à cabeça, começaram diplomaticamente a fazer sentir a sua preocupação pela ameaça de fome que o bloqueio representa. Assim aconteceu com o recente encontro do Presidente do Senegal Macky Sall com Putin em Sochi.

De todas as oportunidades diplomáticas saídas da cacofonia atrás mencionada, esta parece-me ser a que dá alguma esperança, sobretudo a partir do momento em que não terá sido bem compreendida a decisão Russa de não prosseguir ataques no porto de Odessa, quando em Mariupol a violência da agressão não deixou dúvidas a ninguém. Vá lá saber-se se a declaração russa é para levar a sério, mas que existe uma certa lógica entre preservar o canal de Odessa e as tais iniciativas diplomáticas para desbloquear a crise alimentar parece-me inquestionável.

Nunca entendi muito bem por que razão a Ucrânia não ensaiou outras formas de escoamento dos stocks de cereais, designadamente por via férrea e aproveitando depois países vizinhos como a Roménia e a Polónia. Pelo que consegui apurar, também por aquelas bandas existem sérios problemas de compatibilização de bitolas de via férrea, já que países como a Polónia ou a Roménia não usam uma bitola tão larga como a que prevalece no mundo ex-soviético. Isto para não falar nos gigantescos problemas logísticos que o deslocamento dos cereais dos silos e contentores para o transporte ferroviário implicaria. O Washington Post falava ontem de uma iniciativa diplomática em curso, de origem Russo-Turca para tentar desbloquear o processo. Veremos finalmente se o não ataque a Odessa foi apenas uma manobra de diversão ou se pelo contrário traduzia um campo de possibilidades.

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