(Se analisarmos com rigor e distância, condições com que julgo identificar-me, as posições assumidas nos últimos tempos pelo Conselho de Reitores, órgão que reúne e representa o pensamento das Universidades portuguesas, rapidamente nos apercebemos que o Conselho de Reitores e os Senhores Reitores que o integram são o suprassumo da defesa do status quo em matéria de ensino superior em Portugal. Regresso a esta dura avaliação do comportamento do CRUP a propósito da já estafada questão de saber se os Institutos Politécnicos podem ou não conceder doutoramentos. Estou farto de tanta hipocrisia e mete dó que um corpo de pensamento da sociedade portuguesa, a Universidade, se tenha transformado na mais evidente manifestação do status quo, numa clara alusão a uma tese que acabo de vivenciar na incomparável Sicília, afinal é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.)
Há já alguns anos (como o tempo passa), publiquei um artigo com o meu filho Hugo numa edição da Universidade de Évora em que demonstrávamos que a ideia de um sistema binário de ensino superior em Portugal, Universidades versus Politécnicos, é uma valente treta. O sistema binário já lá vai há muito tempo, sobretudo por duas razões que estão aí evidentes mas que a hipocrisia de muitos os impede de internalizar devidamente. Primeiro, temos entre Universidades e Politécnicos uma profunda heterogeneidade de valias e ativos/recursos, de modo que hoje não tem qualquer sentido falar de Universidades e Politécnicos como entidades homogéneas. Isso não existe. Os desvios são mais importantes do que os elementos comuns. Segundo, o que temos assistido nos últimos tempos é uma profunda miscigenação entre o modelo Universitário e o modelo Polítécnico, as primeiras invadindo claramente domínios profissionalizantes que o bem intencionada Professor Veiga Simão reservara para os Politécnicos, as segundas replicando o modelo universitário, sobretudo a partir do momento em que as qualificações do seu corpo doente aumentou exponencialmente, com um incremento significativo de doutorados nas suas equipas docentes e de investigação.
O que acontece é que muito boa gente não lida bem com a massificação dos processos de qualificação. O aumento do número de doutorados faz com que gente representativa no sistema se arrepie todo com o pretenso tema da qualidade dos doutoramentos (como assisti numa reunião interna da Gulbenkian pessoas como o Professor Marçal Grilo incomodar-se com a vertigem do crescimento). Obviamente que nem toda a gente pode doutorar-se em Berkeley, Princeton, Harvard, Cambridge ou Oxford. Os que não podem aspirar a essa chancela, procuram obviamente universidades de proximidade. E convém recordar que o esforço notável de doutoramentos por parte dos professores do Politécnico foi essencialmente realizado sem bolsa e sem dispensa de serviço para o fazer.
Mas hoje é claro que existem áreas científicas em alguns Institutos Politécnicos (contabilidade, ciências da educação, ciências da engenharia) em que os ativos internos os colocam em perfeitas condições para conceder doutoramentos. E a pretensão para o fazer nunca foi o de garantir algo sem exigências de qualidade e critérios a satisfazer. Naturalmente, que essa capacidade estaria na prática inicialmente limitada a um conjunto reduzido de Escolas e de Cursos.
Porquê então proibir e manter a hipocrisia, vendo por exemplo a evolução da produção científica internacionalmente reconhecida entre pares?
Apenas por pruridos de status quo. A explicação que veio a público por parte do CRUP é um monumento de hipocrisia:
“A proposta apresentada contém uma contradição insanável. Pretende valorizar o ensino politécnico e manter o sistema binário, mas propõe uma solução que hierarquizará o sistema em universidades de primeira e universidades de segunda.”
Caros Reitores, a vossa posição é que parte de uma verdade que não o é. O sistema binário já o foi há muito tempo, universidades de primeira e de segunda é coisa que está instalada há muito, não é algo que brotará de alguns Politécnicos poderem conceder doutoramentos e negar as capabilities existentes em alguns Politécnicos para criar ambientes de doutoramento, designadamente com maior proximidade ao meio empresarial remete para a mais descarada hipocrisia.
Se me acenarem com o argumento de que Portugal tem instituições de ensino superior a mais, incluindo Politécnicos em posição vegetativa, concordo e vamos ao debate necessário e consequente. Esse será um debate contra o status quo e que irá enfrentar as resistências localistas mais pacóvias e saloias. Aí a Universidade estaria a assumir a mudança e a liderança do debate para a mesma.
Mas uma outra evidência emerge de tudo isto. Recentemente ou mais longínquamente, todos estes Senhores Reitores foram eleitos ou reeleitos pelos respetivos Conselhos Gerais, o que significa que a defesa do status quo compensa.
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