domingo, 12 de junho de 2022

AINDA AS NARRATIVAS DA GUERRA

 


(Fim de semana prolongado com Amigos de sempre, a desfrutar de tempo anomalamente quente e livre de vento por estas paragens de Seixas e Caminha, logo com tempo escasso para blogar. Mesmo assim, oportunidade para me cruzar com diferentes narrativas sobre a guerra na Ucrânia e não estou certo se a metáfora dos lutadores corpulentos de sumo é a imagem certa para continuar a antecipar de que modo o conflito irá ser prolongado no tempo, com todo o cortejo de consequências em matéria de disrupção de oferta de produtos alimentares e intermédios e de cansaço das opiniões públicas ocidentais.)

Numa das edições do New York Times internacional que me chegou por estes dias às mãos (Julian E. Barnes, 9 de junho de 2022), alguém assinava um artigo, presume-se com fonte privilegiada nos serviços de inteligência americanos, no qual se expressava a preocupação desses serviços americanos ao reconhecerem que, objetivamente, tinham mais informação do modo como as tropas russas enfrentavam dificuldades e alcançavam vitórias pontuais do que informação fiável sobre o modo como as forças ucranianas ganhavam ou perdiam posições no teatro da guerra.

Esta notícia é surpreendente e dizia o articulista que essa insuficiência de informação provinha do esforço permanente do governo ucraniano em dominar a narrativa sobre os acontecimentos, o que não significa informação credível e atempada para os americanos avaliarem e orientarem o seu esforço de ajuda às forças ucranianas. Compreende-se a intenção das autoridades ucranianas em transmitir uma imagem de resistência e vitória para prolongar o mais possível o ânimo dos seus combatentes.

Devo confessar que esta notícia me perturbou consideravelmente, podendo a partir deste momento imaginar que a narrativa que nos vai chegando sobre a evolução da guerra tem tudo para me parecer suspeita, senão mesmo infundada, estimando que mais tarde ou mais cedo todo essa perceção acabe por afetar o estado de ânimo da opinião pública europeia. Nos EUA, a Ucrânia é provavelmente o único tema de consenso na profundamente fraturada sociedade americana. Por isso, essa ausência de informação de inteligência sobre a situação real na Ucrânia pode não comprometer o esforço de ajuda da administração Biden. Mas o mesmo não diria a propósito do que se passa na Europa, em que os consensos me parecem ser incomensuravelmente mais frágeis.

Entretanto, não sei se fruto de qualquer narrativa que as autoridades ucranianas não terão podido controlar e contra-influenciar, nos últimos dias sucederam-se inúmeras notícias sobre avanços relativamente das forças russas, sobretudo no leste do território, em função do que emerge cada vez mais como sendo o Grande Objetivo russo, o controlo definitivo da região do DOMBASS.

Não deixa de ser irónico e paradoxal em tempos de globalização da informação e da democratização das fontes de emissão de informação, que estejamos no meio de uma armadilha comunicacional, na qual não damos por fiável a narrativa efetiva de que como está a evoluir o conflito no terreno. Questão tanto mais paradoxal, quanto mais o líder ucraniano tem proclamado incessantemente por tudo quanto é órgão democrático nos países ocidentais que a ajuda ocidental é crucial para manter o clima de resistência à invasão.

Mas, nestas coisas, os serviços de inteligência americanos não serão seguramente parvos e parece que não confundem o brilho comunicacional de Zelensky com informação fiável sobre a evolução do teatro de guerra.

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