(O Progressive Economy Forum, um dos mais estimulantes centros de reflexão no domínio da economia alternativa e dos diferentes caminhos para que a ciência económica seja mais recetiva aos temas da desigualdade e da inclusão e da valorização do capital natural e transição climática, organiza por estes dias, creio que a 11 de junho, na Universidade de Greenwhich, uma sessão de hora e meia dedicada aos Futuros Digitais. A oportunidade do tema é inequívoca, entrando naquele domínio de coisas em que depois de um grande alarido de grandes mudanças e mundos para explorar, o digital, se cai na realidade e se percebe que é necessário encontrar um novo equilíbrio, moderar expectativas e ultrapassar a euforia do novo mundo de oportunidades.)
O modo como o tema é lançado pelo Progressive Economy Forum é sugestivo e corresponde já a esse cair na realidade atrás mencionado.
A transformação digital tendeu a repetir as conhecidas e recorrentes angústias e euforias suscitadas pela aceleração do progresso tecnológico. Questões como a ameaça histórica sobre o desemprego, o enviesamento das qualificações (skill bias, associado ao facto do progresso técnico e da inovação tenderem sempre a fortalecer a procura de qualificações mais avançadas) e a intensificação por essa via da desigualdade sempre se cruzaram com a euforia dos impulsos ao crescimento económico, com a emergência de novos caminhos para o aumento da produtividade e com novas perspetivas de organização do mundo do trabalho.
Historicamente, este confronto de ideias tem acompanhado os grandes momentos de aceleração tecnológica, dependendo a sua força relativa do período temporal em que são analisados os efeitos das mudanças em questão. Assim, quando se alonga o período de observação e se privilegia o tempo longo, a visão sobre a mudança tecnológica é sempre mais favorável do quando se privilegia o curto prazo para se compreender o rumo das mudanças.
Como sabemos, a pandemia tendeu a acelerar a questão da transformação digital, precipitando as visões extremadas sobre o tema. Por um lado, a digitalização apareceu como a grande força mitigadora dos confinamentos, agudizou a procura do teletrabalho, permitiu compensar parcialmente os efeitos negativos do encerramento das escolas e abriu novos caminhos à descarbonização das Cidades com novos modelos de fluxos casa-trabalho. Por outro lado, sobretudo por influência dos mundos da educação, a digitalização do ensino foi objeto de uma violenta crítica, reconhecendo muita gente a inviolabilidade do ensino presencial e acentuando outros a profunda desigualdade que o ensino à distância tende a gerar, penalizando seriamente as famílias de mais baixa qualificação e de menores recursos.
Em plena pandemia, não foi fácil moderar os extremos. Agora que a densidade mediática dos efeitos pandémicos está a esbater-se, o que não significa menor gravidade, antes pelo contrário, da incidência de infeções, será talvez mais fácil reponderar tendências e reavaliar efeitos.
O que parece indiscutível é que ao conhecido e recorrente “skill bias” da transformação digital (como exemplo mais geral do skill bias da inovação tecnológica) pode acrescentar-se o novo “inequality bias”, tão variadas e intensas são as denúncias de emergência de novas desigualdades.
Por cá, depois de uma certa euforia do digital e das transformações que poderá potenciar, que foi visível na preparação do PRR e do Acordo de Parceria para a programação plurianual 2021-2027 dos Fundos Estruturais, parece ter regressado uma certa letargia pós-eufórica. Isso é visível no que vou conhecendo por via profissional dos programas operacionais 2021-2027, com um foco demasiado no digital infraestrutural, perdendo energia os temas da inovação empresarial dos modelos de negócio induzidos pela transformação digital, do desenvolvimento das tecnologias digitais nacionais com maior probabilidade de singrar em contexto de mercado internacional e da formação de competências necessárias para habilitar o maior número de pessoas possível a essa transformação. O Ministro Costa e Silva parece não estar a dar a atenção política devida a esta questão, os caminhos que a Agência Nacional de Inovação (ANI) está a percorrer em matéria de revisão da Estratégia Nacional de Especialização Inteligente são um profundo e dececionante mistério, a Ministra do Trabalho parece não estar para aí virada e mesmo um órgão como o Conselho Económico e Social liderado por Francisco Assis parece ainda não ter descoberto o tema.
Não auguro nada de bom nesta letargia pós-eufórica. Também por aqui se adensam as interrogações pertinentemente colocadas pelo meu colega de blogue sobre o apagamento do tema da produtividade que a agenda política evidencia. E sinceramente já não há pachorra para aguentar o “wishful thinking” dos aumentos de salário médio, sobretudo quando desgarrados e sem cobertura de temas como o da transformação digital.
Apetece-me regressar ao ponto de ordem que irritantemente costumava realizar nas reuniões semanais de assessores do então Presidente da Câmara Municipal do Porto e que punha o assessor de comunicação do avesso. Costumava eu perguntar que avanços e realizações tinham sido conseguidos de algumas parangonas mediáticas anunciando iniciativas da CMP colocadas na imprensa, designadamente no então célebre Local do Público. Sempre percebi que o ponto de ordem era entendido como um incómodo desaforo, afinal o efeito mediático já tinha sido conseguido e o resto, que importava?
Tenho uma sensação similar quanto o esgotamento da euforia mediática da transformação digital. Por isso, talvez valesse a pena a estrutura governamental colocar alguém a seguir o Forum da Progressive Economy. É gratuito e é apenas uma hora e meia.
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