quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MAIS UM GRÁFICO

Na esteira do "gráfico perturbador" que António Figueiredo aqui inseriu no seu post de 11 de Novembro, importo hoje outro gráfico de Krugman (http://krugman.blogs.nytimes.com/), este do dia 27 e relativo às “yields” (retorno exigido pelos investidores) da Suécia e da Finlândia no mercado das obrigações a 10 anos. Como diria o inspirador Joe Weisenthal, "este gráfico basicamente explica tudo"; reparemos, em três etapas simples:
(i) a grande divergência – com o “yield” da Suécia a descer consistentemente e o da Finlândia a descer menos e a subir posteriormente – ocorre em linha com o aprofundamento da crise do euro (desde o final do 1º trimestre de 2011) e o seu agravamento mais recente (desde Setembro);
(ii) trata-se de dois países com finanças públicas equilibradas e cuja grande diferença, para os efeitos em causa, está em que a Finlândia é parte da moeda única, enquanto a Suécia mantém a sua moeda nacional – o que significa que, nas circunstâncias presentes, resulta favorecido quem pode emitir moeda, quem dispõe de um “credor de última instância”;
(iii) Krugman lembra ainda que Abril foi o mês em que o BCE de Trichet decidiu começar a subir taxas, concluindo que tal terá estado na origem do pânico que pode ter destruído o euro.
Mercados, dirão uns; especulação, dirão outros; eu prefiro falar de fundamentalismo na economia…

O VISITANTE ACIDENTAL DO NY TIMES


O Porto parece que caiu nas boas graças do NY Times (http://travel.nytimes.com/2011/11/27/travel/36-hours-in-porto-portugal.html?hpw). Se a memória não me atraiçoa, pela segunda ou terceira vez, a rubrica Travel dedica à cidade uma reportagem marcadamente sensorial, com o alcance que aquela rubrica do jornal (versão electrónica e impressa do domingo 27.11.2011) tende a proporcionar. Desta vez, trata-se de uma reportagem de 36 horas, orientada em função de um visitante acidental. A mensagem enquadra-se essencialmente no âmbito dos chamados “short breaks” no âmbito dos quais o Porto parece ganhar alguma visibilidade, em estreita articulação com o reforço da plataforma giratória da Ryanair.

A mensagem sensorial que a reportagem transmite combina aspectos tradicionais da cidade alargada (incluindo o espaço ribeirinho de V. N. Gaia) como as caves ou a frente atlântica com novos elementos de afirmação cosmopolita do Porto, nos quais também se destacam equipamentos marcantes como a Casa da Música e Serralves, as atmosferas de convivialidade da cidade, a diversificação de tipologias de oferta hoteleira e as galerias de Miguel Bombarda. Esta combinação, reconhecida inequivocamente na reportagem, vem ao encontro do que, em meu entender, constitui uma combinatória ganhadora de algumas cidades que buscam a atracção do visitante acidental. A inimitabilidade dessa atracção reside em factores cuja viabilização não depende da acção tradicional e conservadora de políticas públicas municipais. Começa por depender de equipamentos ou infra-estruturas que exigem projectos estruturados de cooperação entre administração central e local que devem envolver decisivamente o sector privado. A Casa da Música e o Serralves corporizam bem a justeza dessa orientação. O relevo que estes dois projectos assumem na reportagem ilustra bem que o seu impacto efectivo na atractividade da cidade exige um tempo de maturação que regra geral está para além dos tempos reservados para a avaliação custo-benefício dos recursos públicos investidos na sua promoção. Mas, para além disso, a combinação geradora de inimitabilidade integra os aspectos mais tradicionais de afirmação da cidade com novas atmosferas de convivialidade que tendem a formar-se não força da política local, mas apesar e muitas vezes contra a corrente dessa intervenção. Todos estes factores escapam à intervenção conservadora mais tradicional.

As reportagens do tipo da do NY Times vão permitindo afinar o perfil de atractividade do visitante acidental sobre o qual importa construir uma maior solidez, pelo menos enquanto a efemeridade de algumas das atmosferas, designadamente nocturnas, não criar novas formas que substituirão as existentes. É discutível que hotelaria de luxo como o Yeatman em Vila Nova de Gaia (também destacado na reportagem) se insira neste padrão, mas atinge certamente outros públicos.

O que parece é que o perfil de visitante acidental veiculado pelo NY Times não depende da matriz de eventos sobre os quais a autarquia tem tanto batalhado (automóveis, Red Bull e outros que a imaginação política tenda a promover). O que parece marcar a ambiência reconhecida é o espírito de convivialidade e de tolerância social da cidade e esse tenderá a resistir, espero, ao projecto mais conservador, por mais resistente que se apresente.

ECONOMIA CRIATIVA

Estão em vias de produzir resultados concretos os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos à escala europeia no sentido de promover o potencial da chamada “Economia Criativa” (Indústrias Culturais e Criativas”, doravante ICCs), um domínio/sector resultante da valorização das relações entre Cultura e Economia e que assume o papel central da Criatividade nesse quadro.

É espantosamente volumosa e rica a informação tratada e a investigação realizada, ao longo destes anos, com vista a uma percepção/compreensão da realidade das ICCs e à sua consolidação/consagração enquanto área a ter em conta no plano da teoria, da estratégia e da política. Para melhor revelarem e problematizarem os diversos contornos desta “novidade”, apelo aqui à participação efectiva de alguns dos colegas que têm vindo a desenvolver trabalhos académicos e profissionais na área e que declararam pretender envolver-se neste blogue. Pessoalmente, e por ora, não irei mais longe do que referir os estudos dirigidos que a Comissão foi encomendando a consultoras externas – designadamente: “The Economy of Culture in Europe” (2008, http://ec.europa.eu/culture/key-documents/economy-of-culture-in-europe_en.htm), “Impact of Culture on Creativity” (2009, http://ec.europa.eu/culture/key-documents/impact-of-culture-on-creativity_en.htm), “The Contribution of Culture to Local and Regional Development – Evidence from the Structural Funds (2010, http://ec.europa.eu/culture/key-documents/contribution-of-culture-to-local-and-regional-development_en.htm) e “The Entrepreneurial Dimension of the Cultural and Creative Industries” (2011, http://ec.europa.eu/culture/key-documents/entrepreneurial-dimension-of-the-cultural-and-creative-industries_en.htm).


Sublinharia, entretanto, que participei ontem em Bruxelas em mais uma reunião de um grupo de “peritos” que, desde 2008, trabalha activamente nessa direcção, tendo já produzido um relatório (http://ec.europa.eu/culture/our-policy-development/doc/library/EU_OMC_WG_CCI_Final_Report_June_2010.pdf) que serviu de base à preparação do “Green Paper” da Comissão Europeia (Direcção-Geral Educação e Cultura), “Unlocking the Potential of Cultural and Creative Industries” (http://ec.europa.eu/culture/documents/greenpaper_creative_industries_en.pdf) e estando agora em vias de terminar um “Policy Handbook” (“utilização estratégica dos programas de apoio da UE, incluindo fundos estruturais, para acelerar o potencial da cultura no desenvolvimento local e regional e os efeitos de arrastamento das Indústrias Culturais e Criativas na economia alargada”).

Mas o que queria realmente salientar a propósito daquela reunião tem a ver com o facto de as ICCs – que já tinham sido ineditamente consideradas no âmbito de uma iniciativa lançada pela DG Empresa e Indústria, a “European Creative Industries Alliance” (ver o seu arranque em http://www.europe-innova.eu/web/guest/home/-/journal_content/56/10136/178407, havendo acções concretas previstas para 2012/15) – passarem agora a integrar os ramos (instrumentos de política e aspectos horizontais) considerados pela DG Regio para efeitos da Política de Coesão em preparação para o período 2014/20, caindo assim no âmbito da “Estratégia 2020”, da sua aposta numa “especialização inteligente” e das estratégias de inovação regional que a consubstanciam. Foi isto mesmo que uma portuguesa daquela DG (Luísa Sanches) nos veio comunicar ontem, em mais uma aproximação disciplinar de elevado potencial e que começará a concretizar-se em 2012 através de uma “joint EU-wide awareness raising initiative” entre a Comissão e os Estados membros.

Tudo isto serão notícias interessantes e positivas, no pressuposto de que a “Europa” dura. Coisa de que aqueles que lhe são alheios já não parecem muito convencidos e coisa que parece ser alheia aos que são parte daquela cinzenta rotina bruxelense! Uma correria de “formigas” de várias colmeias, que observei mais atónito que nunca: enquanto a Itália batia recordes de taxas de juro, cada um seguia “na sua” e a sala contígua à nossa discutia galinhas poedeiras! Foi, aliás, um dia que começou mal: numa esquina da Rue Froissart, calhou-me tomar o pequeno-almoço ao lado do “troikista” Poul Thomsen…

terça-feira, 29 de novembro de 2011

UMA LÁGRIMA, UMA MEMÓRIA. O FADO.

A música popular portuguesa provém de quatro registos musicais fundamentais: o fado, a canção de protesto, o folclore e o nacional-cançonetismo. O fado, de génese urbana, associado às cidades de Lisboa e Coimbra, foi generalizado a todo o país numa diversidade de formas e conteúdos, sob uma matriz única. O fado é representado como uma forma cultural e musical tipicamente portuguesa, sendo uma força importante na definição da identidade nacional em campanhas turísticas, nas vivências emigrantes, na historicidade de zonas específicas das cidades, designadamente de Lisboa e de Coimbra. O fado apresenta características consensuais no imaginário social português já que se pratica com uma guitarra e viola, radica na saudade, na paixão, nos desamores, no trágico, está associado aos bairros populares de Lisboa e aos estudantes de Coimbra e é, por excelência, a canção que exprime o sentir português e a celebração de uma urbanidade popular.
Portanto, o fado existe, vivido e sentido até ao presente. A própria figura de Amália, a sua matriz, a sua corporeidade, o seu sentir, a sua postura, é bem reveladora da importância do fado na configuração da cultura popular urbana portuguesa. É óbvio que desde Benjamim e Adorno, sabemos que as manifestações artísticas mais intensas são objecto de uma utilização ideológica contaminada, por isso a utilização do fado na panaceia ideológica do Estado Novo, associado aos três “F”: Fátima, Fado e Futebol. Essa associação levou à sua estigmatização no pós-25 de Abril, mas isso não bastou para que acabasse a sua celebração e vivência e a prova está na constante revivificação do fado enquanto expressão artística ampliada e refundadora de novas expressividades musicais contemporâneas ligadas inclusivamente ao pop rock (Madredeus, António Variações, Lula Pena e Dead Combo).
A aprovação, por parte da UNESCO, do fado como património imaterial da humanidade vem comprovar tudo o que dissemos. Pois, o fado é muito mais do que um mero artifício de entretenimento turístico, está no âmago das expressões da nossa cultura material e imaterial. Se não servir para mais, esta distinção servirá para amplificar o seu conhecimento, mostrar numa época de risco e de incerteza que existem raízes e memórias culturais que não são melhores nem piores, são como são, são tradutoras de uma identidade. Para mim, foi um momento feliz, porque se abriu a possibilidade de celebrar uma memória e uma manifestação musical que está na génese das vivências profundas do ser português. Aliás, neste contexto de crescente desmaterialização da música, recordo aqui que as maiores vendas de discos em Portugal, no ano transacto, incidiram no fado e nas suas diferentes expressões contemporâneas. E acredito que nos tempos que correm isto não seja fácil, daí as manifestações de desagrado face à recorrência ao fado nos últimos dias. A partir daqui, é importante que o fado na sua diversidade de manifestações (underground, vadio, anarca…) seja divulgado. E fala-vos quem não nutre especial simpatia por esta forma musical, cujos afectos estão nos seus antípodas (ou não) ligados à música popular de raiz anglo-saxónica.
DEAD COMBO "Quando A Alma Não É Pequena"
http://www.youtube.com/watch?v=7qkaWV1yHqQ

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ECONOMISTAS EMPÍRICOS


Christina Romer, Universidade de Berkeley, USA, não é uma economista qualquer. Desempenhou ainda recentemente funções de Presidente do Grupo de Conselheiros da Casa Branca, nomeada pelo Presidente Obama em fins de Novembro de 2008. Num período em que o debate macroeconómico, teórico e doutrinário, sobre as condições de abordagem à ainda não resolvida Grande Recessão de 2008-2009 (com início datado de Dezembro de 2007) está ao rubro, pode parecer paradoxal chamar para o centro do debate uma economista como Christina Romer. A economista é geralmente considerada como uma especialista dos efeitos das políticas monetária e fiscal como instrumentos de estabilização do ciclo económico. No seu mais recente testemunho público, uma conferência sob o título “What do we know about the effects of fiscal policy? Separating evidence from ideology” (http://elsa.berkeley.edu/~cromer/index.shtml) pode ler-se: “Costumo dizer que não sou uma economia Keynesiana. Sou uma economista empírica. Acredito no que faço por causa da evidência empírica”. A conferência aborda um paper conjunto elaborado com o seu marido, também macroeconomista, David Romer.

Por que razão então trazemos este contributo para o centro do debate? Ao contrário de outros contributos empíricos menos rigorosos, Christina Romer analisa em profundidade os efeitos que podem resultar para a economia americana da utilização da política fiscal (redução de impostos ou incremento da despesa publica) como instrumentos de combate à recessão. Mas fá-lo de modo a ter em conta os efeitos do que designa de variáveis ocultas, isto é, de variáveis que podem influenciar o comportamento do produto e que não são em regra consideradas nas análises empíricas. A leitura do paper mostra que o casal Romer trabalhou cerca de um ano a estudar em profundidade a narrativa das decisões políticas que conduziram à utilização da política fiscal, de modo a isolar rigorosamente os seus efeitos. É, por isso, muito relevante que, para além de toda a retórica republicana, puramente ideológica, a conclusão de Romer seja inequívoca sobre o impacto positivo do chamado Recovery Act promovido por Obama. A esta conclusão juntam-se outros contributos inspirados por uma abordagem similar. Assim, embora possa questionar-se se a magnitude da intervenção foi suficientemente forte para a gravidade da recessão, Romer estima que cerca de 3 milhões de pessoas teriam perdido o emprego sem a intervenção do Recovery Act. E a conclusão dos Romer não fica por aqui: contrariando a queda descontrolada da economia, o seu contributo para a estabilidade do sistema financeiro terá sido decisiva. Ou seja, exactamente ao contrário do que, na economia americana, o discurso republicano procura transmitir e do que a presente abordagem à crise das dívidas soberanas determina.

Não conheço neste momento estudos similares credíveis sobre a experiência europeia. Sabe-se pelo menos que o insuspeito World Economic Outlook do FMI (2010) anula qualquer evidência de austeridades expansionistas, confirmando o impacto de contracção de actividade que a consolidação orçamental abrupta tende a determinar.

Os economistas empíricos como Christina Romer não se substituem ao debate de ideias em torno dos paradigmas. Esse deverá ser cada vez mais vivo e aberto e atravessar de uma vez por todas o ensino da economia. O trabalho rigoroso de captação das evidências do tipo da que a investigação do casal Romer realiza constitui um auxiliar precioso desse debate.

ALTERNATIVAS?

O meu post precedente não ficaria completo sem tocar uma questão que deriva: mas existe alternativa e, se sim, qual? Limito-me, para já, a uma referência à “Iceland Conference”, realizada em Requejavique a 27 de Outubro sob a égide do FMI e do Governo islandês (“Iceland’s Recovery: Can the Lessons Be Applied Elsewhere?”), no contexto da qual Paul Krugman produziu a seguinte afirmação: “A heterodoxia da Islândia dá-nos um teste à teoria económica”.


Um dos “outputs” mais espantosos da Conferência está na publicação, no “site” do FMI, da comunicação nela apresentada por Nemat Shafik, sua “Deputy Managing Director” (http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2011/car110311a.htm), e de um resumo no “IMF Survey online” sob o sugestivo título “Iceland’s Unorthodox Policies Suggest Alternative Way Out of Crisis”.

Shafik referiu três lições principais aprendidas pelo Fundo na sua colaboração com a Islândia:
· “Quando os países têm uma estratégia clara na cabeça, como era o caso na Islândia, torna-se mais fácil ao FMI envolver-se e prover suporte político e aconselhamento.
· Há vantagens claras em se ter uma caixa de ferramentas heterodoxa – ter mais instrumentos é melhor do que ter poucos.
· A Islândia constituiu um exemplo gerindo para preservar, e mesmo reforçar, o seu Estado social durante a crise.”
Disse ainda Shafik: “A recente investigação do FMI mostrou que os países tendem a crescer mais depressa e mais consistentemente quando a distribuição do rendimento é mais equitativa, por isso o Fundo está agora a prestar muito mais atenção a estes temas nos seus programas.” Um claro sinal dos tempos!

Também aqui, os factos têm mais que ver e as causalidades são mais complexas. Em artigos recentes (“The Guardian” e “Libération”), Étienne Balibar (sim, esse mesmo que foi discípulo e parceiro de Althusser) ilustra bem uma outra leitura ao referir como altamente provável o “fim da Europa como projecto colectivo” em resultado da possível conjugação gravosa de três obstáculos à “verdadeira revolução” anunciada por Schauble e patente no endurecimento “negocial” da Merkel das últimas semanas: porque nenhuma configuração institucional pode garantir os mercados (“nome de código para o fim da especulação”, a qual se alimenta ao mesmo tempo dos riscos de falência e das possibilidades de ganhos que oferece a curto prazo), porque se intensificam as contradições intraeuropeias e porque as opiniões públicas tenderão a fazer surgir uma crise de representação mais grave do que a de 2004. Matérias a rever noutro momento.

O que, por ora, importa é sublinhar que as evidências continuam difusas e que, mesmo se alguns sinais positivos vão chegando, a situação não aponta para um “final feliz”. Por um lado, conservadores e renitentes começam a vacilar: o recém-nomeado (Financial Times) ministro das Finanças do ano, o sueco Anders Borg, veio dizer que as economias europeias mais prudentes em termos orçamentais “teriam ‘most definitely’ de agir se as perspectivas económicas do Continente evoluíssem marcadamente para o pior”; logo depois, o seu homónimo holandês constatava que “as outras medidas ‘firewall’ parecem estar a falhar” e, declarando que “no final, alguma coisa tem de acontecer”, disse admitir “apoiar um papel mais activo para o Banco Central Europeu ‘as a last resort’ para conter a crise da dívida da zona euro”; quase em simultâneo, o colega finlandês ia no mesmo sentido – “se tudo o resto falhar, temos de reflectir no papel do BCE”. Mas, por outro lado, Mario Draghi arrumou com 3 C’s (continuidade, consistência e credibilidade) muitas das esperanças que iam sendo manifestadas no sentido de que pudesse ser um agente activo de uma necessária e urgente mudança de referenciais por parte do BCE, permanecendo assim relativamente tributário das posições germânicas que persistem em insistir na ideia de que a resolução da crise da zona euro não tem “quick fixes” e em rejeitar “eurobonds” ou intervenções adicionais do BCE nos mercados da dívida soberana, apostando numa união fiscal com mudança de tratados e indiciando que a sua “guerra” é outra. Tudo somado, Wolfgang Munchau afirma no FT de hoje que “a zona euro só tem dias para evitar o colapso”, concluindo com um assustador “10 dias no máximo”.

A não haver, assim, como coser as coisas, admitir/estudar alternativas – entre ortodoxias razoáveis e heterodoxias viáveis – cairá no foro da teoria macroeconómica, da história do capitalismo e suas crises ou da revolta dos cidadãos…

EM TERMOS SIMPLES

(ilustração de Sciammarella em "El País")

Recomendo a última coluna mensal de Sebastian Mallaby (o autor de “More Money Than God: Hedge Funds and the Making of a New Elite”, 2010) no Financial Times de 24 de Novembro (http://www.ft.com/intl/cms/s/0/a1e77c1e-15f2-11e1-a691-00144feabdc0.html#axzz1enZGA9y0). E quero dedicar tal recomendação aos muitos cidadãos, designadamente jornalistas e comentadores, que preferiram entreter-se com os seus fantasmas a produzir a análise imparcial e equilibrada que se lhes exigia sobre o problema nacional e europeu (ou europeu e nacional?), que tão patrioticamente se declararam compreensivos em relação a Merkel e apoiantes fanáticos do rigor alemão contra o despesismo nacional, que qualificaram de “indecente e má figura” quem balbuciasse algo diferente da agenda de derrube do “socratismo”.

Dito isto, a leitura será sobretudo útil àqueles interessados que – não dominando o “economês” e as suas tecnicidades, nem estando particularmente vocacionados para raciocinar em torno de puzzles de maior ou menor teor ideológico ou conspirativo – sempre procuraram solicitar explicações simples que os ajudassem a entender a preocupante evolução da realidade circundante.

Algumas frases desse “Germany is the real winner in a transfer union”, só para dar o tom e “abrir o apetite”:
· “o mito, largamente alimentado no norte da Europa, de que os países da periferia do sul são os beneficiários imerecidos de uma união fiscal caritativa” versus “a verdade é que a Alemanha obtém uma miríade de benefícios da união monetária”;
· “mais do que condenar os preguiçosos sulistas, os alemães deveriam partilhar o saque” e “mais do que rebaixar os perdedores, a Alemanha deveria compensá-los”;
· “a chegada do euro fez mossa ao enviesamento dos aforradores internos e privou Portugal do seu próprio banco central. (…) O desfecho é que os custos dos empréstimos a Portugal são de longe mais altos do que quando tinha a sua própria moeda. É evidente que os movimentos de capital que agridem Portugal são os mesmos que acomodam a sortuda Alemanha”;
· “realmente, a união monetária europeia envolve transferências. Mas não é verdade que estas transferências fluam só num sentido. A Alemanha paga através de resgates e transferências intra-regionais; mas também recebe através dos canais comercial e monetário”.

Claro que os factos têm mais que ver e claro que as causalidades são mais complexas. Mas, ainda assim, o “fresco impressionista” de Mallaby ganha claramente aos pontos sobre o “austeritarismo vulgar” de académicos autistas e políticos incompetentes…

domingo, 27 de novembro de 2011

TITANIC


O risco de naufrágio da zona euro deixou de ser invocado apenas pelos comentadores mais críticos da ortodoxia monetarista que orienta as posições alemãs nesta matéria. Constitui hoje um elemento central de fontes de pensamento claramente identificadas com o pensamento liberal, como o são, por exemplo, o Financial Times e o The Economist.

Não resisto a citar uma delícia de passagem no Economist de 26 de Novembro de 2011, inserido na sua secção Charlemagne, dedicada aos temas europeus, numa edição em que o tema de capa é a provável implosão do euro:

“Por agora, há uma atmosfera surreal em Bruxelas. Tal como a orquestra que tocava enquanto o Titanic se afundava, a burocracia de Bruxelas continua a produzir estudos, políticas e regulamentos. Num briefing desta semana, um burocrata afirmava que “hoje é um dia muito bom não apenas para os tubarões europeus, mas também para os tubarões de todo o mundo. Não se tratava de uma alusão a odiados especuladores financeiros. Pelo contrário, tratava-se de uma nova proibição sobre o aproveitamento de barbatanas de tubarões apanhados em águas europeias ou em qualquer outra parte por navios europeus.”

Não tenho conhecimento suficiente do caso Titanic para uma analogia de circunstância entre o comandante daquele e o Presidente da Comissão Europeia. Mas mais do que um navio, é de um comandante à deriva que se trata. É português e os danos de um potencial naufrágio estarão muito para além dos passageiros registados.

O ESPECTÁCULO DO SÉCULO XXI























Obama regressou a casa, após um Novembro em que ilustrou claramente a reorientação das prioridades da política externa americana: 48 horas na Europa, quase 10 dias na Ásia! A sua Secretária de Estado (Hillary Clinton) “teorizara-a” num artigo publicado no último número da “Foreign Policy” e a que chamou, com todas as letras, “America’s Pacific Century”. E onde – sublinhando que a região Ásia-Pacífico representa quase metade da população mundial, dispõe da maioria dos motores da economia mundial, inclui vários dos aliados dos EUA e conta com potências económicas como a China, a Índia e a Indonésia – antecipava: “o futuro da política será decidido na Ásia, não no Afeganistão ou no Iraque, e os Estados Unidos estarão bem no centro da acção”.

Duas dimensões explícitas, uma económica e outra militar, integram a estratégia americana. Dimensão económica: fazer das exportações um motor de crescimento e criação de empregos, nomeadamente através da duplicação até 2015 do volume de bens e serviços “made in USA” a vender para a região de mais rápido crescimento económico e de maior potencial de consumo à escala mundial, do acesso formal ao “East Asia Summit” (EAS) – fundado há 6 anos, considerado como uma extensão diplomática da ASEAN e incluindo outros países com interesses locais como a Austrália, a China e a Índia – e da celebração de um “Transpacific Partnership” (TPP) com uma dezena de países. Dimensão militar: manter os acordos de defesa concluídos ao tempo da “guerra fria”, desenvolver novas bases/instalações na zona e aproveitar em seu favor as rivalidades e temores intra-regionais.

Uma e outra das referidas dimensões escondem parcialmente uma componente menos explícita, mas que será talvez a dominante: conter e afrontar, com o máximo de tacto possível, as ambições da China e criar as condições para uma renovada liderança americana no Século XXI. É assim que, p.e., a proposta de acordo TPP visa os chineses e as suas práticas (“deve compreender cláusulas sociais e ambientais muito firmes, assim como outras sobre a protecção intelectual e a inovação”) e que o “estamos cá para ficar” surge em contraponto a um reforço pelo exército chinês dos meios capazes de lhe garantir a tutela da zona que o país vai reivindicando e encarando como tendencialmente “natural”.

A imprensa australiana, talvez a que nos é “culturalmente” mais próxima, fez títulos como “Countering China, Obama asserts US a pacific power” ou “Obama all in with US challenge to China” ou “Obama signals the start of the new Cold War”. A imprensa ocidental, por sua vez, só pôde concordar: “the president’s tour was all about China”. Eis, pois, a disputa que está no nosso horizonte próximo, uma disputa em que a actual configuração financeira mundial constitui um elemento negativamente desequilibrador da balança para os americanos mas uma disputa de resultado largamente indeterminado porque outros argumentos e peripécias (como os acima indiciados) se irão ainda atravessar e fazer sentir.

Em todo o caso, uma coisa podemos ter por certa: esse futuro só muito tangencialmente passará por aqui, por este Velho Continente que soma a actual auto-implosão ao facto de ser hoje, sobretudo, um continente velho…

PENSAR A CIDADE (2)



Na sequência do último post e ainda no âmbito da minha intervenção no seminário acima mencionado, as (macro) tendências que identifiquei tendem a projectar novos desafios temáticos para a governação das cidades:
  • Cidades inovadoras e criativas;
  •  Cidades compactas e eficientes;
  • Cidades competitivas;
  • Cidades inclusivas;
  • Cidades-líderes;
  • Cidades digitais;
  • Cidades sustentáveis (na oferta e gestão de serviços públicos).
Todos estes focos temáticos, que podem configurar diferentes formas de estar das cidades, terão correspondência numa obra em elaboração, promovida pela Associação Eixo Atlântico (www.eixoatlantico.com): Pensar a Cidade: Desafios para a Governação das Cidades do século XXI, com coordenação de José Manuel Peña Penabad e na qual participo coordenando os contributos portugueses e assumindo o tema Cidades Competitivas.
Entre os desafios de organização interna que a focagem temática coloca à governação municipal desenvolvi em Braga os seguintes:
  • A matriz-projeto como forma organizacional, transversal, integradora de diferentes serviços municipais tenderá a emergir como forma dominante de cooperação eficiente entre recursos;
  • A cidade-digital exigirá não só complexas adaptações internas de “back-office”, mas também uma revolução literal das políticas de comunicação municipal;
  •  Novos mecanismos de participação tenderão a emergir: a cidadania aleatória, com mobilização aleatória de munícipes será um processo a seguir com atenção;
  • A participação cidadã encontrará em projetos emblemáticos de intervenção no espaço urbano boas condições de afirmação e visibilidade;
  • Os processos de reabilitação urbana que irão emergir como um dos focos prioritários das políticas públicas exigirão coerência e consistência com estratégias de Cidade, mais amplas, gizadas em torno de um foco temático.
A intervenção de apresentação da estratégia de reabilitação urbana para Braga (Estratégia de Reabilitação Urbana em Braga: os Programas para o Centro Histórico e Braga Sul) de autoria de Elisa Babo e Daniel Miranda (Quaternaire Portugal) pode ser visualizada no portal da CM Braga (http://www.cm-braga.pt/wps/portal/publico). No painel em que participei, Fernando Moreira de Sá (especialista de comunicação) apresentou dados impressionantes sobre o presente estatuto das redes sociais como ferramenta de comunicação das estratégias municipais, ultrapassando claramente os jornais de maior tiragem e concorrendo activamente com a televisão.