terça-feira, 9 de dezembro de 2014

FOCO NA ECONOMIA AMERICANA


Numa altura em que o espectro da estagnação deflacionária se perfila no horizonte económico da União Europeia, a Abeconomics não consegue afastar decisivamente o fantasma da recessão no Japão, os países emergentes com a China à cabeça (ver aqui notícia do Financial Times de 30.11.2014 sobre os riscos de uma espiral deflacionária)
não são propriamente um motor ladino da economia mundial e que o afundamento em curso do preço do petróleo tenderá a gerar profundas amarguras em países com rigidez da receita fiscal determinada pelo peso orçamental exorbitante de tal recurso (Angola como exemplo e, por isso, muita atenção aos pagamentos dependentes das receitas orçamentais ), é tempo de nos focarmos na economia americana. A preservação de um foco de crescimento nas âncoras da economia mundial é crucial, mesmo que saibamos que a economia americana não é propriamente um modelo de extroversão ao mundo.
Mas o que é que de relevante se está a passar nesta conjuntura macroeconómica made in USA e que valha a pena trazer para o debate macroeconómico?
A questão prende-se principalmente com os sinais da conjuntura macroeconómica que o banco central americano (FED) deve integrar para acomodar a sua política monetária. Em tempos de taxas de juro praticamente nulas (o tão repetidas vezes aqui invocado zero lower bound) e com os sinais de que a recuperação da economia americana parece finalmente começar a ser sustentada, está nos livros que o mercado terá o seu foco de expectativas centrado no momento em que o FED mudará a sua política de taxa de juro. E, como sabemos, o Comité do FED (o chamado FOMC – Federal Open Market Committee) que completa a presidência de Janet Yellen e a vice-presidência de Stanley Fisher é composto por duas famílias de orientações tão popularizadas na gíria terminológica financeira dos EUA: os “falcões” que aspiram a todo o momento o regresso à restrição monetária, subindo taxas e as “pombas” que tenderão a adiar o mais possível esse impulso restritivo. Os primeiros são particularmente sensíveis à fobia inflacionária e abespinham-se com qualquer continuidade de estímulo (mesmo que monetário) à economia. Os segundos, sabiamente em meu entender, estão cientes de que é largamente preferível uma intervenção tardia no controlo da inflação a uma restrição precoce da economia inviabilizadora da sustentabilidade da recuperação. Recentemente, a precipitada subida do imposto sobre as vendas (imposto ao consumo) no Japão e a sua imediata repercussão na queda do produto japonês alerta-nos para a incontinência dos falcões e deu alento às pombas (mas que estranha linguagem!).
Neste contexto, é crucial para o debate macroeconómico estar atento ao conjunto de indicadores que o FED utiliza para medir o pulso à recuperação da economia americana para decidir o rumo a dar à gestão de expectativas. Sabemos através dos sucessivos discursos de Janet Yellen que esse conjunto de indicadores é vasto e que, como o FED tem o duplo mandato da estabilidade dos preços e do mercado de trabalho (taxa de desemprego como objetivo a gerir), os indicadores do mercado de trabalho assumem surpreendentemente (para nós europeus, esclareça-se) uma notoriedade crucial. E, nos últimos tempos, a questão essencial consistiu em explicar por que razão o crescimento económico e a recuperação da taxa de desemprego coexistiam com níveis de subutilização dos recursos existentes (o chamado slack). Nessa explicação, houve um foco intenso sobre as consequências da recessão terem retirado do mercado de trabalho trabalhadores que tenderão a não regressar embora estejam em idade ativa. Mais recentemente ainda, o fortalecimento do dólar que tende (apesar da baixa extroversão da economia americana) a rebaixar a inflação interna e a descida continuada do preço do petróleo (cujo efeito desinflacionário é mais debatido e controverso) constituem fatores para complicar a vida ao FED e ao jogo de forças “falcões versus pombas” que se confronta no FOMC. A questão do impacto desinflacionário da descida do preço do petróleo tem que se lhe diga, pois não pode ser esquecido o aumento brutal da produção de petróleo no intramuros da economia americana, sobretudo após a descoberta de novas origens extrativas (ver aqui e aqui aqui os posts de P. Krugman sobre a matéria.
A possibilidade da economia americana estar finalmente em recuperação sustentada e apesar disso as tendências inflacionárias não emergirem com toda a nitidez poderá baralhar a decisão a tomar pelo FED. Nestas coisas, a semântica das declarações públicas dos principais responsáveis pela decisão estará sob o escrutínio do mercado. Nos últimos tempos, o FED tem usado a expressão de que as taxas de juro tenderão a permanecer baixas “por um período considerável de tempo”. Provavelmente essa expressão será alterada a curto prazo. O problema, tal como Tim Duy (um seguidor atento destas questões) o assinala, é que o FED habituou o mercado a gerir as suas expectativas através de conferências de imprensa, que não acompanham todas as reuniões do FOMC. E o próprio Tim Duy se interroga sobre o timing espaçado dessas conferências ser o mais adequado para uma situação de filigrana como a que se vive atualmente.
E por cá pelas bandas europeias? Pela minha parte caracterizaria a situação europeia com uma metáfora futebolística. Face à inépcia dos restantes elementos da equipa das instituições europeias, o BCE aparece aos olhos dos mercados como simultaneamente um homem de defesa, de meio campo e de ataque, uma espécie de super jogador de que se espera o impossível e o inimaginável. Mas pelos resultados que se conhecem o super jogador estará fora de forma ou avaliou mal o terreno em que deveria passear a sua classe. A jornalista do Financial Times Claire Jones diz-nos hoje a partir de Frankfurt que a reação dos bancos europeus aos dois primeiros leilões de empréstimos a longo prazo através dos quais o BCE esperava chegar finalmente ao terreno real das PME está a revelar-se senão um flop, pelo menos algo abaixo das melhores expectativas. A baixa resposta dos bancos europeus parece dar razão às vozes que afirmam que os bancos não precisam de liquidez, pois a procura de crédito continua anémica e os bancos acreditam pouco na capacidade dos tomadores para pagarem tais empréstimos.
E não menos importante, a descida do preço do petróleo está a gerar no interior do BCE mais uma controvérsia sobre a qual Draghi terá de se impor. A descida do preço do petróleo está a ser entendida pela linha Draghi como uma ameaça suplementar às ameaças deflacionárias e, consequentemente, como mais um motivo para o estímulo monetário à economia. Já o banco central alemão pela voz do seu governador Jens Weidmann encara essa descida como uma forma de estímulo à economia, justificando segundo tal perspetiva a não necessidade dos ímpetos estimuladores de Draghi. Voltaremos a esta questão pois, aparentemente, o FED e o BCE terão respostas diferentes à referida descida do preço do petróleo. O primeiro não interpretará essa descida como necessidade de estímulo à economia americana, ao passo que o segundo utiliza essa descida como fator adicional de justificação do estímulo das operações de financiamento a longo prazo à economia europeia. Em meu entender, o problema não é a diferente interpretação dessa descida de preço. O problema é ela ocorrer em economias (os EUA e a União Europeia) com perspetivas de crescimento significativamente distintas a curto e médio prazo. Essa é que é a diferença crucial.
 

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