O êxito fulgurante da obra de Thomas Piketty, O capital no século XXI, colocou de novo o
tema da desigualdade no debate económico, questão que o movimento Occupy Wall
Street e a relação entre o 1º e os 99% da sociedade americana tinham trazido
decisivamente para a rua, com réplicas sucessivas em diferentes movimentos de
indignados.
É por isso natural que o debate teórico em torno
do agravamento das desigualdades observadas nos últimos 30 anos das economias
de mercado mais desenvolvidas e a sofisticação das evidências empíricas que têm
vindo a ser produzidas tenham também experimentado um significativo impulso.
O que importa destacar aqui é que esse impulso
alterou profundamente as relações de causalidade entre desigualdade e
crescimento económico. Até este impulso recente, a abordagem central consistia
em analisar os padrões de crescimento económico à luz do seu comportamento
redistributivo: neutro (com os diferentes grupos de rendimento a revelarem crescimentos
similares do mesmo), distributivo (com os mais pobres a ver o seu rendimento a
crescer mais do que os mais ricos) e inequalitário (com o rendimento dos mais
ricos a crescer mais do que o dos mais pobres). Nesta abordagem, foi possível recolher
evidências de que o crescimento económico de alguns países asiáticos foi
inesperadamente distributivo, em contraponto com o crescimento latino-americano
que se orientou para uma crescente desigualdade.
Ora, nos tempos mais recentes, a relação entre
crescimento e desigualdade inverteu-se, sendo possível demonstrar que a
desigualdade não pode apenas constituir o resultado de certos padrões de
crescimento económico, mas também e fundamentalmente que a desigualdade é
inibidora do crescimento económico. Essa abordagem aproxima-se das teses de
Piketty e da estagnação secular que têm sido avançadas para explicar o
crescimento anémico da última década e a prospetiva pouco brilhante que se
desenha para as economias de mercado no médio-prazo.
E o que é mais relevante é que essa abordagem tem
sido fortemente alimentada por instituições internacionais como o FMI ou a
OCDE, não satisfeitas com os padrões não distributivos do crescimento económico
e com o efeito constrangedor do crescimento que provoca.
É o caso da OCDE em produção empírica muito recente. Um dos dados mais relevantes da investigação empírica da OCDE é ela
concluir que o efeito negativo da desigualdade sobre o crescimento não é
essencialmente determinado pelo comportamento dos 10% mais pobres, mas sim por
um grupo mais alargado, os 40% mais pobres. E o efeito negativo materializa-se
sobretudo pelo subinvestimento em educação que a desigualdade determina.
E por aqui chegamos a um dos meus argumentos centrais
da crítica das políticas de ajustamento induzidas pela TROIKA. É o que chamei
efeitos perversos dinâmicos da austeridade. Aqui está um deles. O agravamento
da desigualdade penaliza dinamicamente o crescimento, designadamente através
dos efeitos penalizadores sobre o investimento em educação pelas famílias.
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