terça-feira, 2 de dezembro de 2014

DIFÍCIL FAZER MELHOR!



Andei pelo Congresso do Partido Socialista deste fim de semana, já o vigésimo desde 1974. Um congresso cujo principal resultado positivo esteve claramente na consagração de António Costa. Consagração essa que se verificou a três níveis: o da brilhantemente conseguida unidade do Partido, apesar de tantas vezes desgraçadamente anunciada como inconseguível após a luta interna com Seguro pela liderança; o de uma manifesta afirmação pessoal e política, que alguns admitiam prescindível em razão do prestígio e peso específico que já acumulara no exercício de diversas funções públicas relevantes mas que na verdade ainda carecia de uma definitiva confirmação enquanto candidato a primeiro-ministro; o de um corte, tão inteligente quanto subtil, com todo um passado que tem institucional e solidariamente de assumir como seu mas de que não decorre ter de fazer recair sobre os seus ombros cada uma das dores que o marcaram em concreto.

O discurso de abertura fora bom, tão bom quanto as condições objetivas e subjetivas o permitiam, mas foi nos quarenta minutos do discurso de encerramento que Costa veio dissipar quaisquer dúvidas ainda eventualmente sobrantes. Os críticos da crítica crítica diriam sempre mal, qualquer que fosse a realidade verificada, mas terem-se os ditos ficado pelo simples registo de que faltou isto ou aquilo (na dívida e no défice para uns, na política de alianças para outros) será talvez a maior evidência de que Costa passou folgadamente aquele que terá sido, muito provavelmente, o maior risco/provação a que alguma vez esteve sujeito.

Quanto à agenda estratégica e à agenda europeia, Costa disse o suficiente no contexto que é o atual e dada a sua circunstância. E para quem não se fique pela estrita superficialidade dos títulos, para quem leia as linhas e saiba ler nas entrelinhas, Costa até foi dizendo algo mais do que os silêncios ou as banalidades de que alguns o acusam: por um lado, porque centralidade da qualificação dos portugueses, valorização dos nossos recursos, modernização económica, reforço da coesão social, dignificação das condições de trabalho não são tópicos de somenos quando comparados ao trágico balanço destes últimos três anos e meio de Passos e Portas; por outro lado, porque pugnar pela correção das assimetrias da moeda única europeia e pela recuperação da economia e do emprego (contra a austeridade) ou pelos interesses portugueses na Europa estão longe de ser aspectos menores quando confrontados com a degradante vassalagem que Passos e Portas dispensaram aos diversos mandantes internacionais que lhes foram aparecendo. E que dizer da defesa de um novo equilíbrio entre recursos financeiros colocados ao serviço do pagamento da dívida e recursos financeiros aplicados em investimento e a honrar a palavra do Estado em contratos de longo prazo?

Quanto à dimensão mais propriamente política, Costa nada deixou por dizer. Falou do pesadelo que têm sido estes três anos de sonho concretizado pela direita e contrapôs explicitamente as suas ambições: um Presidente que renove o orgulho que todos tivemos nas Presidências de Mário Soares e Jorge Sampaio; uma maioria estável, coerente e consistente e fecundada por acordos de concertação social e compromissos políticos sólidos e duradouros (surgindo como taticamente eficaz a ideia de recusar o conceito de “arco da governação”); uma alternativa às atuais políticas que não só não poderá passar pelos partidos no Governo (“democracia não é empastelamento”) como terá de assentar em novas razões de confiança para os portugueses. Voltarei a esta matéria para tentar avaliar mais detalhadamente a distância efetivamente existente entre a justeza das proclamações e a dureza decorrente das exigências da instância económica, assim como a margem de manobra restante.

De entre o que fui ouvindo, destaco mais cinco pontos positivos (Cante Alentejano e violência doméstica/Maria do Céu Guerra à parte): (i) a renovação introduzida nos órgãos dirigentes do Partido, sobretudo no Secretariado e no plano geracional (mais nome, menos nome); (ii) a intervenção de Sampaio da Nóvoa, vindo dizer “presente” em nome da liberdade e não querer “ver a minha Pátria parada à beira de um rio triste”; (iii) o regresso em pleno de Ferro Rodrigues, doze anos depois e em excelente forma (gostei, especialmente, do “é tempo de diferenciação, não de consensos” e do “combater os populismos, venham eles de onde vierem”); (iv) o discurso de Manuel Alegre, muito forte e mobilizador num contexto em que tal era da maior relevância (“Portugal é mais do que cavalos e mulheres bonitas” numa alusão a Cavaco, o “corte na esperança dos portugueses” como “o pior de todos os cortes”, “a esquerda dos valores contra a direita dos interesses”); (v) as presenças dignas de Pedro Silva Pereira e Álvaro Beleza e a surpreendente eloquência de Pedro Nuno Santos.

Mas o Congresso também teve os seus “momentos zen”, nitidamente minimizáveis em face do sentido geral do que se foi vendo e ouvindo. Por omissão, a vergonha que foi a postura de Francisco Assis no palco, situação que viria aliás a culminar com o seu abandono da sala e dos trabalhos e suas ulteriores declarações sobre “um modelo de partido que não é o meu” (e se concedesse mais uma entrevista à fanática Avillez a explicar-lhe?). Por ação, a risível e autista prestação de Maria João Rodrigues que, embora não chegando a apresentar-se como a presidente da Junta, se apresentou porém como vice-presidente de qualquer coisa de muito importante e complicada na Europa, como portadora de grandes notícias vindas de lá, como porta-estandarte de batalhas que por lá se travam a bem de todos nós e, pois claro, da “tua próxima vitória eleitoral, António”.

Uma última nota para registar o facto de, quando menos se esperava, a insistente Edite Estrela ter encontrado finalmente a sua melhor vocação numa já longa militância socialista: vai agora passar a dirigir o “Acção Socialista”, ela que tem investigação e obra publicada sobre “a questão ortográfica”, sobre “bem escrever, bem dizer”, sobre “dúvidas do falar português” ou sobre “saber escrever, saber falar”. Recomendo desde já a assinatura...

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