Já por repetidas vezes neste espaço transmiti a
ideia de que a minha área de trabalho exige o contacto com o terreno, incluindo
entrevistas (o que parece estranho para um CEO da consultadoria, mas não é),
sem o qual pensar o desenvolvimento territorial e local corre o risco de se
tornar uma valente estopada e sobretudo de gerar ideias descontextualizadas,
conduzindo regra geral à inutilidade de lombadas de relatórios perdidos algures
numa estante ou arquivo.
Já também enunciei aqui a minha tese favorita de
que a minha vivência de trabalho com a administração regional madeirense está
para além de qualquer preconceito sobre o que se passa no universo das políticas
públicas da região autónoma. A imagem que a truculência por vezes a roçar o
boçal que Alberto João Jardim teimou em fazer passar nos últimos tempos não tem
qualquer projeção na esmagadora maioria dos quadros regionais diligentes que
tenho tido o prazer de contactar. Aliás, a personagem Jardim tem cambiantes difíceis
de entender por parte do cidadão médio e indiferenciado, que tive pessoalmente
a oportunidade de confirmar no estrangeiro, quando já há alguns anos
(bastantes), nas minhas andanças de assessor da cooperação internacional da
CCDR-N, verifiquei que o Alberto João das organizações internacionais não tinha
nada que ver com o estereótipo que ele próprio criou para adornar o seu
populismo e zurzir nas elites do continente.
Pessoa amiga, madeirense no continente, dizia-me
há dias que tinha ficado espantado quando presenciou recentemente Alberto João em
cerimónia pública a fazer questão de entregar pessoalmente um prémio qualquer
de carreira empresarial a um elemento da família dos Blandy, família
relativamente à qual a personalidade dedicava um ódio visceral, explicado por
razões pessoais ou familiares profundas que não consegui ainda descortinar. O fait-divers de crónica social que o
acontecimento representa anuncia a retirada de cena da personalidade, a qual não
se tem coibido de deixar no ar interrogações, que são bem mais interrogativas
do que o “vou continuar por aí” de Santana Lopes quando foi derrotado por Costa
ou quando Sampaio lhe retirou o poder.
Estava por isso com curiosidade por sentir a
administração regional em cenário potencial de transição política, não
necessariamente partidária, mas antes de regime de liderança social-democrata,
sobretudo a fazer fé que o diplomata e dandy Miguel Albuquerque, ex-presidente
da Câmara Municipal do Funchal do qual conservo uma excelente impressão, consegue
chegar à liderança apesar da presença na liça de alguns putativos delfins de
Alberto João.
Pois a administração regional continua diligente,
talvez na expectativa de que algo mude e que lhes retirem de cima o estereótipo
do populismo, e sobretudo esperançada de que a austeridade seja erradicada e
lhe permita regressar ao poder de compra de então.
Mas o Funchal ainda tem a marca da desmedida
intervenção infraestrutural que o conceito de desenvolvimento de Alberto João impôs
à Região, incluindo à própria Câmara Municipal do Funchal. As duas ribeiras que
foram objeto das últimas e devastadoras inundações estão já intervencionadas no
seu troço final e o impactante aterro que acumulou os detritos acumulados pelas
derrocadas a montante deu lugar a uma intervenção de encher o olho em termos de
passeio marítimo, que embelezava hoje no crepúsculo os dois cruzeiros de grande
porte a recuperar forças para se fazerem ao mar.
Num pequeno palco, mesmo em
frente à Sé do Funchal, o grupo coral de jovens de Educação Artística de uma
escola do Funchal fazia as delícias dos turistas e população local com um
concerto de Natal bem animado e com apresentações aprimoradas em inglês, alemão
e francês. O Jacquet continuava hoje fiel ao seu menu tipicamente madeirense,
sem pão porque considera que o mesmo não permite ao cliente aprimorar o fruir
sensorial do seu peixe fresco.
A cidade está calma e parece ignorar o risco da
mudança política. Talvez no oculto das relações de poder algo se passe, não
percetível ao visitante acidental.
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