Já aqui me referi (post de 29 de junho passado) a Jean Pisani-Ferry, atual comissário geral francês para a estratégia e a prospetiva. Mas não conhecia o seu contraparte alemão (Henrik Enderlein, diretor do Instituto Jacques Delors em Berlim) na coautoria de um relatório que lhes foi solicitado pelos ministros alemão e francês da Economia e que apresentaram na semana passada (grandes títulos na caixa acima).
Vejamos o relatório um pouco mais de perto, mesmo sabendo que nestas coisas dos “números políticos” nem sempre é fácil despistar o que são as propostas feitas aos governos com base numa construção independente de especialistas e sábios e propostas entregues por académicos e altos funcionários sob encomenda pré-orientadora dos governos. Sendo que a fuga conseguida pelo “Der Spiegel” anunciava intromissões prometedoras e sendo também que, apesar de tudo, o currículo e a credibilidade dos desafiados deixavam algumas garantias.
A fuga do “Der Spiegel” anunciava basicamente dois pontos de especial significado reformista/fraturante nesse “relatório-choque” (houve mesmo quem lhe chamasse um “new deal franco-alemão para relançar o crescimento na Europa”): em França, mudanças no sacrossanto mercado de trabalho (flexibilização nas 35 horas de trabalho semanal e congelamento salarial por três anos, p.e.); na Alemanha, uma aceitação de novos esforços de investimento público (duplicação dos investimentos em infraestruturas para 20 mil milhões de euros até 2018, p.e.).
Na apresentação, Pisani sustentou a ideia de “clusters ou packs de reformas”, distinguindo entre “reformas de ganhos rápidos” (eliminação de obstáculos), “reformas catalíticas” (indutoras de mudanças nas regras de jogo e nos comportamentos) e “reformas de ativação” (agindo sobre o modo de tomada de decisões); e enunciou-as: concluir a construção de um “sistema efetivo de flexisegurança” em articulação com uma real modernização do sistema judicial, aumentar a base de melhoria da competitividade (abandonando a via fiscal, chegada aos seus limites, em favor da dimensão laboral, designadamente trianualizando a negociação salarial e alterando a regra de indexação do salário mínimo para uma maior dependência em relação à evolução da produtividade) e diminuir o peso do Estado (explicitando o objetivo de se reduzir proximamente a despesa pública para um nível de 50% do PIB). Quanto a Enderlein, além de insistir nas exigências de ajustamentos de grande envergadura para se enfrentar a enorme gravidade do problema demográfico alemão, veio confirmar o “défice de investimento” da Alemanha (atraso que estimou em 75 mil milhões anuais) e defender o estabelecimento de uma “regra mínima de investimento” (concretizando-o com a sugestão de aumentos de 8 mil milhões anuais nos próximos três anos, 24 mil milhões no total, portanto).
Um outro aspeto igualmente curioso do relatório reside na original formulação de uma ideia no sentido de um acordo de Schengen aplicado à economia. Distinguindo dois tópicos essenciais: por um lado, o que designaram por “setores transfronteiriços” e associado à promoção de uma mais alargada integração em setores de importância estratégica em que a regulamentação limita consideravelmente as atividades económicas (com menções explícitas à energia e à economia digital, bem assim como à plena transferibilidade das competências, dos direitos sociais e das prestações sociais); por outro lado, a defesa de “iniciativas concretas de convergência política” a nível do espaço franco-alemão em áreas como as do salário mínimo, do emprego, da segurança social e da educação (“valores sociais comuns” ou “valores partilhados”, assim apontaram os autores).
Não obstante o que fica dito, o tom do relatório procura escapar a uma leitura fundamentalmente separatista das políticas prioritárias em cada um dos países. O que decorre, desde logo, do diagnóstico inicial: “É preciso estar de acordo sobre o mal para se chegar a um acordo sobre o remédio. Alguns apontam a anemia do crescimento potencial e preconizam reformas para o reforçar. Outros culpam a insuficiência da procura global e clamam por políticas monetárias e orçamentais mais favoráveis. Outros ainda acusam a fragmentação da Europa e apostam num reforço da sua integração. Estas controvérsias não têm sentido, aos nossos olhos. Um fraco crescimento da produtividade é uma prova prima facie da carência da oferta. A combinação de uma taxa de desemprego elevada e de uma queda da inflação é uma prova prima facie de uma insuficiência da procura. Os diferenciais de taxas de juro no seio de uma zona monetária comum são a prova prima facie da fragmentação. A verdade é que a Europa sofre de vários males.” Ainda assim, talvez não seja possível contestar uma dominância de medidas supply-side que, podendo corresponder a um bom esforço de síntese e compromisso, não parece suficientemente straight em termos de enfatizar aquela que é a maior das ameaças que pesam sobre a Zona Euro: a quebra da procura agregada e as tendências deflacionistas. Sem esquecer, ademais, aquela incontornável máxima do “manda quem pode”: porque a dupla Gabriel-Macron será uma coisa e a não dupla Schäuble-Sapin é necessariamente outra…
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