Reencontrei-me há dias, nas páginas do “Le Monde”, com o sólido discurso do economista e professor francês André Orléan (AO). À época em que o conheci em Paris, nos idos anos 80 do século passado, AO era já um grande estudioso das matérias monetárias e estava a iniciar aquele que viria a revelar-se como o ambicioso programa de investigação (em torno de uma reavaliação da economia enquanto campo disciplinar) que marcaria todo o seu percurso intelectual das últimas décadas (por vezes em muito boa companhia, nomeadamente no tocante a Michel Aglietta e Frédéric Lordon). Recordo, em especial, a publicação de “La violence de la monnaie” e a curiosidade e o fascínio com que eu e o meu companheiro de então (Guilherme Costa) nos atiramos a um esforço de compreensão dessa segunda heterodoxia dos “regulacionistas” que, fortemente inspirada nas especulações antropológicas do pensador francês René Girard, procurava lançar a teoria monetária em bases radicalmente novas: a moeda como não constituindo um fenómeno exclusivamente económico, a moeda como pedra angular das sociedades humanas, a moeda como veículo central na passagem da violência mimética à confiança institucional, a moeda como um facto social ou como elemento enformador (simultaneamente dissolutivo e constitutivo) da essência das relações sociais.
Este AO dos dias de hoje – que é diretor de investigação no CNRS, diretor de estudos na EHESS, presidente da Associação Francesa de Economia Política, autor de inúmeras obras e coautor do “Manifesto de Economistas Aterrados” – consagra muita da sua atenção ao Euro e carateriza a moeda europeia como sendo “uma moeda incompleta”. E explica-o, começando por sublinhar que a moeda corresponde a uma “crença partilhada” que assenta em três formas de confiança estreitamente imbricadas (a metodológica, decorrente da experiência mercantil quotidiana; a hierárquica, associada à credibilidade atribuída à própria autoridade monetária central; a ética, relacionada com a adesão aos valores fundamentais que veicula e que são necessariamente variáveis quer no plano nacional e quer no plano histórico) e culminando, após várias mediações (ver excerto abaixo), na defesa da ideia de que uma necessária confiança no Euro, mais pelo que ele prometa ser do que pelo que ele é, se depara hoje com a impossibilidade de uma “representação tangível desse destino”.
Aqui fica uma expressão algo diferente, certamente mais burilada e com contornos inovadores, das limitações de uma “construção” que o entusiasmo triunfalista dos anos 90 fez nascer coxa e cujas múltiplas mazelas fundacionais, arquiteturais e paisagísticas foram sendo inapelavelmente destapadas pela gravidade da crise financeira até ficarem expostas ao ponto de difícil retorno em que nos encontramos...
Sem comentários:
Enviar um comentário