sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

OUTROS DEFAULTS

(Peter Schrank, http://www.economist.com)


Têm-se discutido muito por cá a reestruturação ou renegociação da nossa dívida externa e os termos concretos que as mesmas podem ou devem comportar. Enquanto isso, e a propósito da bolivarista/chavista Venezuela de Maduro, fala-se crescentemente em default e vão-se conhecendo alguns contornos especialíssimos na matéria. Vamos por partes.

Em primeiro lugar, um cheirinho de fundamentais com recurso a alguns gráficos elucidativos. Começando por se chamar a atenção para o enorme incremento do peso do petróleo (e seus derivados) na estrutura das exportações venezuelanas ao longo da última década e meia e para a gigantesca dependência presentemente atingida. Ora, sendo conhecido o que tem sido a fortemente descendente evolução do preço do crude nos últimos meses, fácil é concluir por uma inevitável agudização das dificuldades vividas por um país – o curso do barril de petróleo encontra-se pouco acima de 70 dólares e o preço estimado para assegurar o equilíbrio orçamental do país é de 160! – que já vinha aliás sendo atravessado pelas traumáticas tensões políticas provocadas pela tresloucada liderança de Chávez e pela sua ulterior morte e sucessão. Tudo num sentido cada vez mais extremado sobre as condições de vida das pessoas, como a segunda ilustração acima tão claramente sugere.



Em segundo lugar, algumas evidências empíricas. Quer as respeitantes às variáveis macroeconómicas mais tradicionais (queda prevista de 2,9% para o PIB, inflação de 63%, défice orçamental de 14% do PIB), quer as que se repercutem em termos do posicionamento da Venezuela na presente conjuntura da economia mundial: brutal perda de valor da moeda nacional (já vigora um quádruplo sistema de taxas de câmbio!), reservas internacionais em marcada queda, um perfil da dívida apresentando visíveis fatores de risco, yields da dívida soberana a atingirem máximos de cinco anos (aumento de 1000 pontos básicos nos últimos seis meses) e os mais elevados níveis mundiais de credit-default swaps (custo de compra de um seguro contra a respetiva falência) a cinco anos (ver abaixo um gráfico comparativo com a Ucrânia).





Em terceiro lugar, uns detalhes nada despiciendos sobretudo relacionados com a especificidade das relações económico-políticos entre a Venezuela e a China. O centro da questão tem a ver com o facto de alguns analistas terem vindo defender, não há muito tempo atrás, que aquele país já teria entrado em default por via de um “reescalonamento de facto” associado às mudanças consentidas pela China no tipo de contratualização que vinha vigorando quanto às suas compras garantidas de petróleo venezuelano (quadro abaixo). De que se trata(va), então? Por um lado, de um crescente envolvimento financeiro chinês na Venezuela – destinatária de metade dos empréstimos feitos pela China à América Latina no seu conjunto –, sendo que tal envolvimento assumiu a forma de pagamento em espécie (loans-for-oil arrangement e consequente oil-backed debt) num montante que já ascendeu a 50 mil milhões de dólares desde 2006 e que terá absorvido mais de metade das exportações de petróleo para a China (640 mil barris por dia) em 2013. Por outro lado, de se ter sabido em finais de outubro que Caracas foi dispensada, a seu pedido, da previamente negociada exportação obrigatória (dita free) de 330 mil barris diários em contrapartida dos créditos obtidos junto de Beijing, assim tendo logrado libertar um valor estimado em torno de 9 mil milhões de dólares para outros destinos ou aplicações.


Dito isto, e independentemente das formas que ainda possam vir a encontrar-se em planos correspondentes a novas reestruturações dos petro-loans, é voz cada vez mais corrente entre os especialistas que a ocorrência de “um default é mais provável do que improvável nos próximos dois anos”. E, sublinham alguns, o que ainda vai adiando o inevitável decorre da considerável diferença existente em relação a outros países que “defaulting, pouco ou nada têm a perder” – porque, e ao invés, “a Venezuela tem substanciais ativos sobre o exterior em risco: Citgo, oil shipments, contas a receber por parte da PDVSA...”, o que torna “o risco de default devastador”. Só que até o contorcionismo tem os seus limites...

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