sábado, 27 de dezembro de 2014

O PESSIMISMO CRÍTICO DE ANTÓNIO E DE JOSÉ



O Público de hoje traz-nos dois excelentes contributos para pensarmos o nosso futuro coletivo, um sob a forma de recolha de testemunho e sem um texto estruturado e o outro sob a forma de crónica semanal regular.
O testemunho é de António Barreto e a crónica de José Pacheco Pereira.
Curiosamente, os contributos são complementares, embora reportem ao tempo de forma distinta e daí a sua complementaridade intrínseca. António Barreto (AB) pensa a sociedade portuguesa sobretudo na perspetiva dos ciclos de desenvolvimento económico e social, largamente apoiado nos seus trabalhos primeiro sob o patrocínio da Ford Foundation, que deram origem ao Portugal Social e depois já ao leme da Presidência da Fundação Francisco Manuel dos Santos que acaba de abandonar. José Pacheco Pereira (JPP), pelo contrário, invoca o rigor da cronologia dos factos, que a memória curta tende a ignorar, para se concentrar na análise comparativa dos legados dos governos de José Sócrates (o caminho para o abismo com riscos de bancarrota à porta) e de Passos Coelho (o atolamento num pântano de areias movediças).
O tempo longo do desenvolvimento económico e social de AB transporta-nos para o confronto entre os 40 anos de melhoria sistemática do quadro de vida dos portugueses que a transição democrática proporcionou, com o aprofundamento conexo do sistema democrático em clara associação com os próprios desenvolvimentos do projeto europeu, e o pós 2000 com interrupção do processo de aprofundamento democrático a nível europeu e nacional e a desagregação profunda de dimensões cruciais desse progresso como a educação, a saúde e a justiça. AB parece fazer repousar o seu diagnóstico na esperança do despertar de uma coma profundo em que as elites portuguesas se deixaram mergulhar, despertar esse que passaria pelo entendimento político ao centro e pelas transformações constitucionais que reputa necessárias para que a CONSTITUIÇÃO cumpra o seu papel de preservação da liberdade dos cidadãos e da democracia. 2014, com a emergência dos megaprocessos judiciais que atingiram o coração do regime político e económico, não representaria o início de nada, sobretudo porque esse suposto despertar da justiça acontece com a degradação profunda de sistemas fundamentais para o desenvolvimento económico e social, a educação, a justiça e a saúde, as duas primeiras diria eu. Aparentemente esperançoso, o diagnóstico não resolve nem identifica que protagonistas à direita poderiam protagonizar a convergência ao centro, sobretudo porque é inverosímil assistir à redenção súbita dos que foram responsáveis pela desagregação dos referidos sistemas.
O pessimismo crítico de JPP é antes de mais um contributo inestimável para o PS (se engolir o confronto entre o abismo e o pântano de areias movediças) encontrar um antídoto para o discurso eleitoral de 2015 que a maioria irá esgrimir até à exaustão dos nossos pobres ouvidos que queiram seguir o debate eleitoral: “Alguém pensa que este modelo atamancado em 2011-12, assente acima de tudo no “gigantesco aumento de impostos” pode subsistir sem esses impostos? A herança de Sócrates foi um Tesouro vazio que dava para três meses, a herança de Passos Coelho é um “ajustamento” que só tem efeitos porque depende de um enorme assalto fiscal. Não existe “ajustamento” à Passos Coelho sem impostos elevadíssimos, centrados no trabalho e no consumo. Sem esses impostos tudo vem abaixo como um castelo de cartas, porque nenhuma transformação estrutural foi feita nem na economia portuguesa, nem no Estado. E as que foram feitas na sociedade, principalmente o empobrecimento selectivo da classe média, são todas inibitórias de qualquer genuíno crescimento.”
O pessimismo crítico de JPP tem uma outra dimensão que consiste em entender a gestão da crise das dívidas soberanas por parte da Alemanha como um propósito deliberado de reordenar o poder europeu sacudindo-o do diretório Alemanha-França, isolando esta última.
Poderão dizer-me, sobretudo os 11 economistas de António Costa, que não é possível construir programas de alternativas de governação suportados pelo pessimismo crítico. Enganam-se se pensarem assim. Ignorar o pessimismo crítico lúcido e fundamentado conduzirá ao “wishful thinking” de que estamos fartos.
O meu colega de blogue já interpelou os economistas de Costa.
Fá-lo-ei numa próxima oportunidade.

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