O Público de hoje traz-nos dois excelentes
contributos para pensarmos o nosso futuro coletivo, um sob a forma de recolha
de testemunho e sem um texto estruturado e o outro sob a forma de crónica
semanal regular.
O testemunho é de António Barreto e a crónica de
José Pacheco Pereira.
Curiosamente, os contributos são complementares,
embora reportem ao tempo de forma distinta e daí a sua complementaridade intrínseca.
António Barreto (AB) pensa a sociedade portuguesa sobretudo na perspetiva dos
ciclos de desenvolvimento económico e social, largamente apoiado nos seus
trabalhos primeiro sob o patrocínio da Ford Foundation, que deram origem ao Portugal
Social e depois já ao leme da Presidência da Fundação Francisco Manuel dos
Santos que acaba de abandonar. José Pacheco Pereira (JPP), pelo contrário,
invoca o rigor da cronologia dos factos, que a memória curta tende a ignorar,
para se concentrar na análise comparativa dos legados dos governos de José Sócrates
(o caminho para o abismo com riscos de bancarrota à porta) e de Passos Coelho
(o atolamento num pântano de areias movediças).
O tempo longo do desenvolvimento económico e
social de AB transporta-nos para o confronto entre os 40 anos de melhoria
sistemática do quadro de vida dos portugueses que a transição democrática
proporcionou, com o aprofundamento conexo do sistema democrático em clara
associação com os próprios desenvolvimentos do projeto europeu, e o pós 2000
com interrupção do processo de aprofundamento democrático a nível europeu e
nacional e a desagregação profunda de dimensões cruciais desse progresso como a
educação, a saúde e a justiça. AB parece fazer repousar o seu diagnóstico na
esperança do despertar de uma coma profundo em que as elites portuguesas se
deixaram mergulhar, despertar esse que passaria pelo entendimento político ao
centro e pelas transformações constitucionais que reputa necessárias para que a
CONSTITUIÇÃO cumpra o seu papel de preservação da liberdade dos cidadãos e da
democracia. 2014, com a emergência dos megaprocessos judiciais que atingiram o
coração do regime político e económico, não representaria o início de nada,
sobretudo porque esse suposto despertar da justiça acontece com a degradação
profunda de sistemas fundamentais para o desenvolvimento económico e social, a
educação, a justiça e a saúde, as duas primeiras diria eu. Aparentemente
esperançoso, o diagnóstico não resolve nem identifica que protagonistas à
direita poderiam protagonizar a convergência ao centro, sobretudo porque é inverosímil
assistir à redenção súbita dos que foram responsáveis pela desagregação dos
referidos sistemas.
O pessimismo crítico de JPP é antes de mais um
contributo inestimável para o PS (se engolir o confronto entre o abismo e o pântano
de areias movediças) encontrar um antídoto para o discurso eleitoral de 2015
que a maioria irá esgrimir até à exaustão dos nossos pobres ouvidos que queiram
seguir o debate eleitoral: “Alguém pensa que
este modelo atamancado em 2011-12, assente acima de tudo no “gigantesco aumento
de impostos” pode subsistir sem esses impostos? A herança de Sócrates foi um
Tesouro vazio que dava para três meses, a herança de Passos Coelho é um “ajustamento”
que só tem efeitos porque depende de um enorme assalto fiscal. Não existe “ajustamento”
à Passos Coelho sem impostos elevadíssimos, centrados no trabalho e no consumo.
Sem esses impostos tudo vem abaixo como um castelo de cartas, porque nenhuma
transformação estrutural foi feita nem na economia portuguesa, nem no Estado. E
as que foram feitas na sociedade, principalmente o empobrecimento selectivo da
classe média, são todas inibitórias de qualquer genuíno crescimento.”
O pessimismo crítico de JPP tem uma outra dimensão
que consiste em entender a gestão da crise das dívidas soberanas por parte da
Alemanha como um propósito deliberado de reordenar o poder europeu sacudindo-o
do diretório Alemanha-França, isolando esta última.
Poderão dizer-me, sobretudo os 11 economistas de
António Costa, que não é possível construir programas de alternativas de
governação suportados pelo pessimismo crítico. Enganam-se se pensarem assim.
Ignorar o pessimismo crítico lúcido e fundamentado conduzirá ao “wishful thinking” de que estamos fartos.
O meu colega de blogue já interpelou os
economistas de Costa.
Fá-lo-ei numa próxima oportunidade.
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