Não tenho especial afeição e pachorra por revistas do ano,
eleições de personalidades ou outras coisas que tais no momento em que viramos
para 2015, não sabemos ainda se com mar esperançoso, que só pode ser assegurada
pela alternativa de governação que Costa possa protagonizar e pelo engenho do
nosso sistema de PME, sobretudo daquele que sabe vender nos mercados globais.
Mas há um fenómeno que marca para mim o ano de 2014,
sem ter sido propriamente gerado este ano, embora com trajetória reforçada.
Estou a referir-me à diáspora dos qualificados,
ou seja da geração que beneficiou da aposta no reforço das qualificações,
iniciada sobretudo com o governo de Guterres e que constitui um dos mais
poderosos efeitos perversos dinâmicos que decorrem da combinação dos problemas
estruturais que o nosso modelo de crescimento enfrenta com o rude golpe das políticas
de austeridade.
Nesta diáspora dos qualificados, e a reportagem
de hoje do Público confirma essa minha intuição, há que ter em conta duas
realidades. Por um lado, há a diáspora da necessidade, ou seja aquela que
resulta dos aspetos viciosos do mercado de trabalho e da impossibilidade de
muitas das qualificações adquiridas encontrarem oferta de emprego compatível. É
relevante, perversa e representa também uma perda de capital humano, reportando
o seu retorno para outros países. Mas a realidade mais recente evidencia
inequivocamente uma outra categoria de diáspora dos qualificados. Trata-se da
diáspora da desistência. Desistência de quê? Do país, internalizando a ideia de
que o futuro não virá. Uma das histórias de vida mais marcantes da reportagem
do Público, uma médica anestesista com larga experiência anterior em Portugal
de liderança e atualmente Diretora de uma maternidade em França, refere que o
país perdeu a sua afirmação com o alinhamento pela globalização. Considero que
este grupo está a aumentar, apesar da crise europeia. É que há crises e crises
e a nossa combina um conjunto muito complexo de layers. Muitos dos qualificados
quando partem já intuíram essa desistência. Outros partem ainda com o regresso
no horizonte, mas o contacto com a realidade de acolhimento leva à confirmação
do inevitável, a desistência do país pelo menos do ponto do seu contributo
produtivo.
Não há seguramente investigação empírica que
permita apreender e testar a veracidade desta tendência ou intuição. Mas é
impressionante o número dos que saem e obtêm reconhecimento profissional
elevado nas instituições em que se inserem, chegando frequentemente a posições
de liderança. Isso significa que o nosso problema é organizacional e de
incapacidade de operar a rotação das qualificações.
É também impressionante que a obsessão nacional
pelo excesso de qualificações tenha retornado e a senhora Merkel não fez mais
do que avivar fantasmas da história da educação em Portugal, como bem o
assinalou António Nóvoa na sua tese de doutoramento. Essa obsessão assume várias
formas. Uma delas é a desconfiança quanto à qualidade das qualificações
adquiridas. A paranoia é tão acentuada que, frequentemente, o desdém pelas
novas qualificações vem de gente que as formou, o que é patologia ou
simplesmente falta de coragem ou incompetência.
Falta a esta gente sentido da história. Basta
comparar o que era a sociedade portuguesa há uns anos atrás (três ou quatro décadas)
em matéria de entrada na formação superior. Estou certo que se comparássemos a
mesma percentagem de jovens que acedia à formação superior e que está hoje
nessa formação teríamos uma qualidade francamente mais elevada na percentagem de
hoje. Mas a percentagem que hoje entra (mesmo em desaceleração por questões
demográficas e por impacto da crise financeira e económica das famílias) é
francamente mais elevada. Podemos alimentar todas as dúvidas quanto à qualidade
das suas formações. Mas a comparação a fazer é interrogarmo-nos acerca de onde
estariam esses jovens se tivessem tido as parcas oportunidades dos seus
similares há 30 ou 40 anos.
É por isso trágico e dinamicamente perverso que
parte dessa massa de qualificados protagonize crescentemente a diáspora da desistência.
Qualquer alternativa de governação não pode deixar de inverter essa trágica
tendência. O que não significa coartar as oportunidades da internacionalização,
num mundo que não é plano como o pensavam alguns teóricos da globalização, mas
que está cheio de encostas e montes a contornar, com as qualificações como o
principal instrumento de viagem e aventura.
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