(John Cochrane)
Como tenho procurado mostrar ao longo de
sucessivos posts, o prolongamento para além do socialmente desejável da
recuperação agónica que as principais economias de mercado realizaram após a
crise financeira de 2007-2008 exacerbou acentuadamente o debate de ideias na
macroeconomia e políticas associadas. A economia americana é por todas as razões
o centro desse debate. As ideias em confronto podem muito grosseiramente ser
divididas em dois campos.
De um lado, temos os que se inspiram na tradição
keynesiana, embora com matizes diferenciados dependentes sobretudo dos modelos
teóricos e empíricos que se reivindicam inspirados por essa tradição
(keynesianos propriamente ditos ou neokeynesianos). Esse campo de posições
sempre reivindicou a necessidade de um estímulo fiscal à economia, assuma esse
estímulo a forma de despesa pública ou de redução da carga fiscal,
preferencialmente a primeira. O argumento principal reside na incapacidade da
política monetária de injeção de liquidez na economia (qualquer que ela seja)
conseguir por si só o relançamento esperado da economia real, dado o contexto
de taxas de juro próximas de zero. Esta posição tem variantes consoante, entre
outros aspetos, se admita a necessidade de ter de se mexer no referencial de
inflação das economias, como é conhecido resultante da regra de manutenção de
um ritmo estável de crescimento dos preços de 2%, capaz de assegurar uma taxa
de desemprego em torno do seu valor natural.
Do outro lado, estão os que se opõem
determinadamente ao reconhecimento da necessidade de estímulo fiscal, sobretudo
pela capacidade dos agentes económicos poderem internalizar nas suas
expectativas os efeitos futuros (aumentos de impostos) decorrentes do
endividamento de hoje para assegurar o referido estímulo fiscal, comprimindo
por antecipação as suas compras. A estabilidade da política monetária em torno
da regra dos 2% de crescimento estável dos preços asseguraria o rumo certo às
expectativas económicas, devendo a sua utilização para injeção de liquidez ser
a mais episódica possível.
Como seria de esperar, a recuperação finalmente
sustentada que parece emergir na economia americana teria forçosamente de
avivar o debate. Antecipei essa possibilidade, sobretudo por via da recuperação
de notoriedade que o segundo grupo iria encenar com o novo quadro macroeconómico
americano.
Dito e feito. Um dos economistas com maior
notoriedade e combatividade também nesse grupo, John Cochrane assinou no Wall Street Journal o que ele designou provocatoriamente “An Autopsy for the Keynesians”. O argumento central como não podia
deixar de ser é o de associar o ressurgimento das ideias keynesianas ao por ele
considerado episódico acontecimento de uma recuperação mais lenta e prolongada.
Defende também a ideia de que a tese da espiral deflacionária não tem evidência
empírica de suporte, afastando prematura e apressadamente o exemplo japonês
como exemplo dessa não evidência.
Mas para os propósitos desta crónica o argumento
que mais me interessa é a maneira como Cochrane se refere à questão do euro: “Não há nenhum governo que esteja remotamente disposto a
gastar milhões de milhões de dólares ou euros em nome de um “estímulo”
financiado por empréstimos de rotura. O euro está intacto: até os Gregos e os Italianos,
depois de durante seis anos serem aconselhados a resolver os seus problemas com
mais desvalorização e inflação, estão a resistir no euro e a enfrentar pelo
contrário, embora lentamente, os seus problemas estruturais de oferta”.
Fica-se nitidamente com a ideia de que ideias e
preconceitos se misturam perigosamente, antevendo na situação europeia algo que
não corresponde à real dimensão dos problemas que a afligem.
Curiosamente, nas palavras mais recentes de
Draghi, os riscos de instabilidade do não cumprimento do referencial dos 2% de
inflação na zona euro emergem como centrais no seu discurso, com o espectro da deflação a mostrar-se cada vez mais
forte, contradizendo literalmente a projeção de Cochrane.
Moral da história: no debate das ideias económicas,
a presença dos preconceitos distorce gravemente a invocação das evidências empíricas
mais pertinentes.
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