sábado, 10 de janeiro de 2015

LIBERDADE DE EXPRESSÃO OU SIMPLESMENTE LIBERDADE?



Como é seu timbre, José Pacheco Pereira (JPP) elevou ontem no Quadratura do Círculo o debate sobre a barbárie do radicalismo islâmico a um nível que seria bom generalizar. JPP critica o enviesamento político de limitar o ataque ao Charlie Hebdo a um simples afrontamento à liberdade de expressão, resultante do politicamente correto europeu. Por detrás de todos os acontecimentos, que não sabemos ainda se revestiam uma forma mais abrangente de insurreição coordenada e rigorosamente planeada, o que estaria em causa era um ataque à liberdade em geral e sobretudo a liberdade de não sacralizar a religião qualquer que ela seja. JPP identifica um problema europeu na incapacidade das suas economias mais maduras de assegurar a plena integração das segundas e terceiras gerações de imigrantes, sobretudo quando comparado com as realizações que a sociedade americana vai concretizando nessa matéria. O confronto entre os potenciais de integração das duas sociedades (a europeia e a americana) é complexo, sobretudo quando as últimas evidências de investigação sobre a sociedade americana mostram que a mobilidade social ascendente tem vindo a revelar entraves progressivos. O “melting pot” americano já terá vivido melhores dias. Sou dos que pensa que o processo de integração na sociedade de destino de grupos culturais bem determinados não é apenas um problema de absorção, mas antes um entrosamento de culturas. Ora, se as populações que chegam tendem a formar uma comunidade, o referido entrosamento não é concretizável se o grupo cultural que chega não revelar uma predisposição mínima para a abertura do encontro com a sociedade de acolhimento. A sacralização da religião penaliza e constrange o possível entrosamento. Isto não significa ignorar que as sociedades europeias maduras vivem hoje uma profunda crise de identidade e de clarificação de valores, vivendo por isso um mau período para facilitar tal entrosamento.
Não estou regularmente de acordo com o pensamento de Rui Ramos, agora no Observador. Mas desta vez, penso que não andará longe da razão quando refere que os ataques de Paris são também ou principalmente um ataque aos muçulmanos interessados em serem franceses sem abdicar das suas convicções religiosas, ou seja não propensos a constituir uma comunidade fechada sem qualquer disponibilidade para o entrosamento. Ataque a essa população muçulmana por ínvias direções, uma das quais estimular na sociedade francesa as perspetivas securitárias, xenófobas e não hospitaleiras para mostrar indiretamente que o entrosamento não é possível.
Mas associar a fúria islâmica radical e a sua capacidade de recrutamento de agentes suicidas entre a segunda e terceira geração aos efeitos desintegradores das políticas de austeridade como o fizeram a incontida Ana Gomes e em parte o Jorge Bateira no Ladrão de Bicicletas dá que pensar sobre o funcionamento das meninges da primeira e a deriva de pensamento do segundo. A não integração da segunda e terceira geração de imigrantes, designadamente islâmicos ou muçulmanos, é bem anterior à generalização das políticas de austeridade e apela bem mais para os resultados (ineficazes) do tipo de políticas sociais que têm sido ensaiadas. Confundir as duas causalidades parece-me representar uma perigosa deriva de leitura e compreensão da questão social europeia.

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