Como é seu timbre, José Pacheco Pereira (JPP) elevou
ontem no Quadratura do Círculo o debate sobre a barbárie do radicalismo islâmico
a um nível que seria bom generalizar. JPP critica o enviesamento político de
limitar o ataque ao Charlie Hebdo a um simples afrontamento à liberdade de
expressão, resultante do politicamente correto europeu. Por detrás de todos os
acontecimentos, que não sabemos ainda se revestiam uma forma mais abrangente de
insurreição coordenada e rigorosamente planeada, o que estaria em causa era um
ataque à liberdade em geral e sobretudo a liberdade de não sacralizar a religião
qualquer que ela seja. JPP identifica um problema europeu na incapacidade das
suas economias mais maduras de assegurar a plena integração das segundas e
terceiras gerações de imigrantes, sobretudo quando comparado com as realizações
que a sociedade americana vai concretizando nessa matéria. O confronto entre os
potenciais de integração das duas sociedades (a europeia e a americana) é complexo,
sobretudo quando as últimas evidências de investigação sobre a sociedade americana
mostram que a mobilidade social ascendente tem vindo a revelar entraves
progressivos. O “melting pot” americano já terá vivido melhores dias. Sou dos
que pensa que o processo de integração na sociedade de destino de grupos
culturais bem determinados não é apenas um problema de absorção, mas antes um
entrosamento de culturas. Ora, se as populações que chegam tendem a formar uma
comunidade, o referido entrosamento não é concretizável se o grupo cultural que
chega não revelar uma predisposição mínima para a abertura do encontro com a
sociedade de acolhimento. A sacralização da religião penaliza e constrange o
possível entrosamento. Isto não significa ignorar que as sociedades europeias
maduras vivem hoje uma profunda crise de identidade e de clarificação de
valores, vivendo por isso um mau período para facilitar tal entrosamento.
Não estou regularmente de acordo com o pensamento de Rui Ramos, agora no Observador. Mas desta vez, penso que não andará longe da
razão quando refere que os ataques de Paris são também ou principalmente um
ataque aos muçulmanos interessados em serem franceses sem abdicar das suas convicções
religiosas, ou seja não propensos a constituir uma comunidade fechada sem
qualquer disponibilidade para o entrosamento. Ataque a essa população muçulmana
por ínvias direções, uma das quais estimular na sociedade francesa as
perspetivas securitárias, xenófobas e não hospitaleiras para mostrar
indiretamente que o entrosamento não é possível.
Mas associar a fúria islâmica radical e a sua
capacidade de recrutamento de agentes suicidas entre a segunda e terceira geração
aos efeitos desintegradores das políticas de austeridade como o fizeram a
incontida Ana Gomes e em parte o Jorge Bateira no Ladrão de Bicicletas dá que
pensar sobre o funcionamento das meninges da primeira e a deriva de pensamento
do segundo. A não integração da segunda e terceira geração de imigrantes,
designadamente islâmicos ou muçulmanos, é bem anterior à generalização das políticas
de austeridade e apela bem mais para os resultados (ineficazes) do tipo de políticas
sociais que têm sido ensaiadas. Confundir as duas causalidades parece-me
representar uma perigosa deriva de leitura e compreensão da questão social
europeia.
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