2014 foi o ano do foco na relevância das questões
da desigualdade na análise económica. E foi-o sobretudo devido à influência
mediática da obra de Thomas Piketty, mas também por força de alguns movimentos
de indignados, sobretudo nos EUA, que colocaram na rua as incidências da
desigualdade como matéria de preocupação cívica.
Não deixa de ser paradoxal que a vinda do tema
para a ribalta mediática não tenha beneficiado ainda de investigação empírica
aprofundada centrada no período posterior a 2008, ou seja integrando os efeitos
da crise de 2007-2008 e da recuperação agónica que a partir desse marco foi
observada. Em termos de investigação empírica credível e fundamentada, ainda
estamos essencialmente dependentes de trabalhos realizados sobre o período
anterior a 2008. E, nesse campo, já por repetidas vezes mencionei aqui a
incontornável investigação de Branco Milanovic, um dos primeiros economistas a
estudar o tema da desigualdade mundial. Por desigualdade mundial, entendemos
aqui a que é medida entre cidadãos tendo em conta o seu rendimento à paridade
dos poderes de compra (PPC) e por isso comparável, independentemente da
desigualdade no país em que cada um de nós está inserido. Metodologicamente, a
desigualdade mundial é calculada ordenando ascendentemente a população mundial,
isto é dos rendimentos individuais à PPC mais baixos para os rendimentos individuais
mais altos, também à PPC e independentemente dos países de origem.
Krugman, agora colega de Milanovic no Luxemburg Income Study Center, um think-tank emergente sobre os temas da
desigualdade para o qual Krugman está a transferir-se a partir da Universidade de
Princeton, chamou a atenção recentemente para o relevo da obra de Milanovic e o
gráfico acima é construído precisamente em cima dos resultados da sua investigação mais recente, centrada no período de 20 anos de 1988 a 2008.
Uma das curiosidades dos valores da desigualdade
mundial é a que resulta da sua comparação com os valores da desigualdade intra-países.
E aqui o que os dados revelam é que a desigualdade entre os indivíduos à escala
mundial é bem mais acentuada do que a existente entre os indivíduos dentro de
cada país. Para um indicador muito utilizado nestes cálculos, o coeficiente de
GINI que varia entre 0 e 1, sendo o valor mínimo e 1 o valor máximo da
desigualdade, a desigualdade mundial tem estabilizado praticamente entre os 0,7
e os 0,72, ao passo que os países mais desiguais como o Brasil ou a África do
Sul têm GINIS apenas ligeiramente superiores a 0,5. O valor mais elevado da
desigualdade a nível mundial constitui a refutação mais direta de que o mundo
seja plano, conforme alguns estudiosos da globalização o afirmaram.
O gráfico que Krugman bebeu da investigação de
Milanovic compara as taxas de crescimento do rendimento dos diferentes percentis
de população mundial, ordenados tradicionalmente dos mais pobres para os mais
ricos. A taxa de crescimento do rendimento do 1% mais rico à escala mundial só é
superada pela taxa de crescimento do rendimento da classe média chinesa, a qual
é, por sua vez, bem superior à taxa de crescimento do rendimento da classe média
americana. Krugman refere com acerto que a situação comparativa da classe média
americana versus a similar chinesa pode ser estendida confortavelmente à classe
média operária de todas as economias avançadas, especialmente se incorporarmos
os efeitos do período pós 2008.
Os cálculos de Milanovic apontam para uma grande
conclusão dos efeitos observados nos 20 anos de 1988 a 2008, em termos de
vencedores e perdedores:
“Os ‘vencedores’
são os grupos decis de população que se situavam em 1988 em torno da mediana da
distribuição mundial do rendimento, 90% dos quais residem em países asiáticos. Os
‘perdedores’ são os decis de população que se situavam em 1988 em torno do 85º
percentil da distribuição mundial do rendimento, de que praticamente 90%
residem em economias maduras.”
A globalização tem assim vencedores e perdedores,
estando longe de ser o ambicionado WIN-WIN. E, como Pacheco Pereira tem
insistido no Quadratura do Círculo, se as classes médias constituem os fatores
de dinamização e de progressão social das economias então temos aqui um outro
fator de perturbação das economias maduras com as europeias à cabeça. Para além
disso, os dados posteriores a 2008 seguramente que reforçaram esta tendência.
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