quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

TRILHOS PARA UM CENÁRIO DECENTE?


A Grécia está novamente no olho do furacão europeu. Tenho em crescendo a certeza de que ainda um dia, mais objetiva e distanciadamente, se fará a devida justiça aos sacrifícios impostos àquele povo em nome de uma construção europeia sem nome, sem chama e sem sentido. Mas isso são contas de outro rosário.

Vastíssima tem sido a produção informativa e a dinâmica de investigação em torno dos temas que têm alimentado a dita “tragédia grega”. Ressalto de seguida, a partir de uma mera recolha destes últimos dias, cinco aspetos que assumo relevantes, quer porque bem diferenciados entre si quer porque não ser a dimensão estritamente político-eleitoral aquela que neles sobreleva.

Começo pela “massa”: “para onde foi o dinheiro?”, perguntava há dias Yannis Mouzakis (MacroPolis) com referência aos 240 mil milhões de euros correspondentes aos fundos que foram emprestados ao país no quadro do duplo processo de resgate que sucessivamente o atingiu (2010 e 2012). Ora, e como decorre do gráfico abaixo, os pagamentos associados aos compromissos com a dívida (amortizações chegadas a maturidade e juros) absorveram quase metade daquele montante e a larga maioria da restante verba foi adstrita a opções impostas pelos representantes dos credores internacionais (recapitalização dos bancos e cash upfront negociado com os privados no âmbito do haircut de 2012, em especial), verificando-se assim que apenas 27 mil milhões tiveram por aplicação questões diretamente ligadas ao sector público grego (défice primário e satisfação de outras necessidades governamentais).


Prossigo com a vergonhosa e chantageante novela que tem vindo a ser representada a propósito dos riscos de uma vitória eleitoral inconveniente. Com Merkel e vários responsáveis alemães na primeira linha das ameaças e declarações antidemocráticas. Pois o já reincidente Instituto IFO de Munique pretendeu dar uma ajudinha divulgando uns cálculos muito próprios segundo os quais uma Grexit (saída da Grécia da Zona Euro) poderia custar 75,8 mil milhões de euros e sairia menos cara (designadamente aos alemães) do que uma falência grega no interior da Zona Euro avaliada em perdas de 77,1 mil milhões de euros (quadros abaixo) – não sem uma omissão, que só pode ser deliberada e visar a formatada cabeça dos eleitores alemães, de que se está, na segunda hipótese, a optar pela estimativa de um worst case que não só pressupõe um default completo como desconsidera qualquer negociação a respeito dos títulos gregos detidos pelo BCE.


Quanto aos mercados, esses lá vão dando sequência ao seu prioritário business as usual com o comportamento dos yields das obrigações gregas a corresponder em consonância (gráfico abaixo) – um comme il faut que é um “dois em um”, na medida em que consegue adicionar à internalização subliminar de receios políticos um acrescido recheio dos cofres especulativos.


Em relação a declarações públicas sonantes, e afastando as de Samaras e Tsipras ou as de Merkel e Moscovici, veja-se como o nosso sempre brilhante, oportuno e servil Durão já veio à liça em defesa dos poderosos e registe-se como o partido (dito radical) que lidera as sondagens gregas se apresenta imbuído de um aparente bom senso (não abandono do Euro “em caso algum” e defesa de um período de seis meses financeiramente protegido pelo BCE com vista a uma renegociação com a Troika e à implementação de medidas urgentes para minorar o tremendo impacto social da crise).


Por fim, dois reconhecidamente não perigosos esquerdistas a pronunciarem-se em favor do Syriza, por razões sobretudo europeias, nas eleições gregas do final do mês. É o caso, por um lado, do nosso já quase companheiro Wolfgang Münchau no FT (“Os extremistas políticos podem ser os salvadores da Zona Euro”) e, por outro, de um ex-conselheiro económico de Barroso, Philippe Legrain, na “Foreign Policy” (“Porque precisa a Grécia que o Syriza ganhe”).

Münchau conclui assim, aliás em completa coerência com a agenda decorrente das suas posições críticas de velha data: “Se uma coisa é insustentável, acabará – ou assim diz o ditado. Baseada nas políticas presentes, a Zona Euro é insustentável, pelo menos com as suas fronteiras atuais. Não vejo saída para a Grécia sem uma reestruturação da dívida. E não vejo uma reestruturação da dívida dentro da Zona Euro.”

Já Legrain abre mais perspetivas. Começando por afirmar: “Não se tem de ser um esquerdista radical para compreender que Atenas necessita de um alívio na dívida. E uma vitória do Syriza nas eleições deste mês poderá ser o único caminho para o obter.”; mas indo mais longe, quer ao sublinhar que “uma tal vitória pode acabar por não ser uma calamidade para a Europa” mas sim “um passo necessário para resolver uma crise que tem vindo a apodrecer desde 2009”, quer ao concluir que “escolher a opção ‘segura’ de Samaras condenaria a Grécia a uma continuada miséria”. Explicitando pelo caminho o seguinte: “Portanto a Grécia precisa de se levantar por si própria e de pedir um write down negociado, com suporte na ameaça de um default unilateral. Pode credivelmente fazê-lo: uma vez que Atenas tem um excedente primário substancial, não precisa de financiamento em caso de deixar de servir as suas dívidas. O Syriza diz que não irá fazer o write down de obrigações detidas por investidores privado, pelo que não são uma preocupação os enredos legais ao estilo argentino. Com as obrigações detidas pelos bancos gregos intocáveis, o Banco Central Europeu dificilmente poderia recusar-se a aceitá-las como colateral de liquidez. Entretanto, as ameaças alemãs no sentido de forçar a Grécia para fora do Euro são provavelmente fanfarronice: Merkel não tem o direito legal de privar os gregos do uso da sua própria moeda e é pouco plausível que banqueiros centrais não eleitos se atrevessem a estilhaçar a Zona Euro. Portanto, Tsipras só precisa de controlar os seus impulsos de despesa e de permanecer firme.” Poderá haver muito quem não concorde, sobretudo nas areias movediças do mainstream político e económico, mas eu começo a sentir que indo não vai lá sem se explorarem vias menos cínicas e mais libertadoras. E quanto ao velho dilema “reforma ou revolução”, o João Ferreira do Amaral que me perdoe mas até já vou simpatizando com alguma dose de entrismo...

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